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Delírios

Encontrou nele o amor da sua vida. Jovem, belo, bem-sucedido, carinhoso, atencioso...

Ricardo Cavalcante Motta
Publicado em 12/08/2017 às 18:45Atualizado em 16/12/2022 às 11:17
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Encontrou nele o amor da sua vida. Jovem, belo, bem-sucedido, carinhoso, atencioso, romântico, inteligente. Preenchia toda sua carência, supria todos os seus desejos de mulher, de pessoa, de vaidade, de lazer e de prazer. Sentia que era mesmo seu esteio, o seu porto seguro. Perdera o pai muito cedo. Guardava necessidade de uma figura firme e forte que sempre lhe faltou. Dedicava-se plenamente a ele. Amava cegamente, profundamente, indefinidamente até que, certo dia, ao encontrar-se com sua fiel amiga da infância, quem há muito não via, obteve dela a informação de que tornou-se viúva . "Viúva!" Mas a história foi acrescida da notícia de que depois casou-se novamente e, inesperadamente, sucedeu seu divórcio. "Divórcio!" Transferiu todo aquele infortúnio para si. Afinal, nunca tinha pensado quanto ao fim da relação com seu amado. Esse caso criou em si um medo horrível, pois absorveu a certeza de um final, fosse por fatalidade ou vontade. Tamanho foi o receio por uma cisão, porque o fim certamente iria refletir um sofrimento proporcional à medida do amor perdido, que passou a tecer uma separação programada, para fugir da surpresa ou da decepção. Imaginava não suportar essa mágoa, isso por temor da dor, devido ao trauma que sofreu pela perda do pai, diante da fragilidade de sua formação e em face do vigor do seu sentir pelo amado. O medo cresceu aterrorizante em seu subconsciente. Decididamente, não queria o efeito de um final inesperado. Resolveu criar o fim. Aparentemente do nada, foi tornando impossível a relação com seu amado. Colocava defeito em tudo, urdia dificuldades inexistentes. Retirou o brilho do amado e passou a mirá-lo com ódio porque um dia a deixaria, pouco importando o motivo. Passou a confrontar com ele. Nada tolerava de desvio. Ele não compreendia, mas percebia. Jamais pensara deixá-la, mas ela insistia em agredir, embora mantivesse no íntimo o amor. Algo demorou, mas o tempo agiu. Certo dia ele saiu com as malas e não voltou. Ela aliviou-se. Enfim, foi sem surpresa. Mesmo que ele voltasse, não o perdoaria, "afinal, ele a iludiu no amor e depois a abandonou", afirmava-se em delírios. Seu medo passou. Seus traumas foram mais fortes que o amor. Vestiu-se de luto e daí viveu assim, consigo, só, infeliz, mas aliviada sem aquele receio tenebroso. Enfim, foi sua escolha.

(*) Juiz de Direito

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