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Doença rara

Ando desconfiado de que sofro de uma doença rara, sou obrigado a confessar. Não deve ser coisa...

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 30/07/2017 às 12:14Atualizado em 16/12/2022 às 11:37
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Ando desconfiado de que sofro de uma doença rara, sou obrigado a confessar. Não deve ser coisa muito séria ou fatal, nada de paranoia ou hipocondria, mas tenho observado, já tem um tempo, que tenho um distúrbio. Nesta altura da vida, com mais de sessenta anos, talvez seja incurável.

Investiguei um pouco a respeito, li alguns livros, uns artigos científicos, e tirei minhas conclusões. Os sintomas são comuns na faixa etária entre quatorze e vinte e poucos anos e, após este período crítico, desaparecem. Em algumas pessoas, dura até os trinta anos, no máximo, não mais. No meu caso, deve ser uma anomalia ou a manifestação de um agravante, porque os sinais deveriam ter sumido. Sua permanência, dizem, pode colocar em risco minha integridade física e provocar alguns desequilíbrios sociais. Tenho minhas dúvidas.

Os entendidos no assunto, bem como os textos que consultei, afirmam que não existem medicamentos seguros ou que tragam mais benefícios do que prejuízos. Assim sendo, e desde que o problema não venha a piorar com a idade avançada, o melhor é confiar na sorte e na evolução natural da doença. O que se espera é que o próprio organismo consiga dar as devidas respostas e proporcione os atenuantes. Vou seguir convivendo com isso, apesar de certas inconsequências e efeitos colaterais.

Sobre este “distúrbio”, existem estudos recentes, muitas dúvidas e alguns casos famosos, um deles relatado por Sir J. M. Barrie, em 1904, intitulado “The Boy Who Wouldn't Grow Up”. A patologia apresentada por ele, tida por muitos como mera ficção, apresenta elementos distintos em relação ao meu caso. O jovem investigado, vamos chamá-lo de Peter, permaneceu jovem de corpo e alma, recusando-se a crescer. No meu caso, eu tive uma evolução física normal para minha idade. O problema foi o “Déficit de amadurecimento”. Entenda-se por amadurecimento uma “caretice”, um comportamento típico de pessoas ranzinzas, circunspectas e mal-humoradas. O que acontece é que eu posso ser caracterizado como um “jovem teimoso”, portador, segundo os mais velhos, de “irresponsabilidade juvenil crônica” ou “desobediência persistente”. Assim sendo, há, da minha parte, uma recusa em encarar a vida sem poesia, sem fascínio. Acredito em aventuras, em romances, no amor, nas revoluções... Gosto de fazer longas caminhadas, de nadar em rios, de cachoeiras, de viajar, de ler um livro até terminar, mesmo que isso aconteça de madrugada. Prefiro as pessoas simples, as crianças e os velhos, os mais pobres, os poetas, os estudantes, os loucos e aqueles tachados de diferentes. Já me jogaram na cara: “Vê se cresce!”. Quando eu era adolescente me diziam: “Quando envelhecer isso passa”. Pois é, não passou! Sorte minha.

Talvez seja preferível seguir como um sonhador, sem medo de usar roupas extravagantes ou rasgadas, sem receio de fazer escolhas erradas e não se importar com vexames. Além disso, sempre existe a possibilidade de mudar de ideia. Não é?

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