Nasceu no interior. Família estável, simples. Estudos em escola pública. Certa ocasião presenciou um julgamento pelo júri. Encantou-se pela pose do Tribunal. Admirou o Juiz. Sonhou. Era disciplinado e queria ser importante como imaginou fosse aquela figura imponente. Estudou duro para isso. Com esforço formou-se em Direito. Depois de vários concursos, tornou-se juiz. Orgulhoso, voltou-se para a família: "Não disse que chegava lá?". Nomeado, casou-se com a moça pretendida, lá do seu bairro. Disse a ela: "Agora é mulher de doutor, de autoridade!". E o cargo fez efeito. Passou a vestir-se com roupas caras, embora não soubesse bem combina-las. Usava uma beca toda enfeitada. Exigia solenidades especiais nos atos judiciais, enaltecendo sua pessoa. Adorava uma sineta. Era acatado, mas com a íntima ironia dos envolvidos. Gostava de hastear bandeira do Brasil, presidir mesa solene, exibir carteira profissional. Ficou pernóstico. O Promotor, que atuava consigo, ria de suas extravagâncias de vaidade. Ele mantinha uma solene distância de todos num receio inconsciente de emergirem suas limitações estruturais e intelectuais. Preferia apoiar-se na pompa e na força da caneta, cujo poder escondia sob verniz um pau sem cerne. Guardava na sua arrogância vaidosa a ilusão de ser um semideus, até que, certa feita, Júnior, filho que queria fosse sua imagem e semelhança, veio baixar ao hospital. Acostumado a resolver tudo na edição de decreto, viu-se confrontado. Júnior não se curava. O melhor médico atendeu o infante. Noticiou ao meritíssimo a gravidade do caso. Ele sentiu-se agravado e exigia do médico uma solução. O médico, já maduro, ponderou: "Acalme-se, doutor. Busque oração. Também achava que podia tudo, até que passei pela mesma situação. Descobri, enfim, que nosso poder vai até a linha tênue entre o humano e a vontade de Deus. Mudei depois disso". Após tudo passado, o juiz desvendou que era somente um homem. Também mudou, pelo menos por um tempo mudou.
