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Laços de ternura

Ver novamente um filme depois de muito tempo coloca-nos frente a frente com os cortes...

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 05/07/2017 às 20:38Atualizado em 16/12/2022 às 12:13
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Ver novamente um filme depois de muito tempo coloca-nos frente a frente com os cortes e recortes esquecidos bem como com os relevos adicionados pela memória seletiva em consonância com valores e repúdios internos. Retornar a este drama “Laços de Ternura”, dirigido por James L. Brooks e premiado pelo Oscar de 1984, com as interpretações de grandes nomes como Shirley MacLaine, Debra Winger e Jack Nicholson promoveu uma nova leitura compreensiva deste desenrolar dramático familiar tão bem estruturado em torno do relacionamento mãe/filha, ao longo do tempo, em seus desafios de viver.

A mãe, Aurora, perde o marido bem cedo e se apega à única filha Emma estabelecendo então uma ligação muito forte, um laço indissolúvel, onde notamos até mesmo uma inversão de papéis na cena em que a mãe, logo após o enterro do marido, entra no quarto da filha e pergunta-lhe se não quer dormir com ela, recebendo uma resposta muito tranquila e negativa. Ao contrário, a mãe aceita a oferta e deita-se na cama com a filha que segura protetoramente suas mãos...

A união das duas é aprisionante provocando em todos que se aproximam para relacionamento uma impossibilidade de penetração e consequente sentimento de rejeição e ato regetivo. Isto é: ao fechamento fusional da dupla só resta aos outros circularem em torno sem verdadeira entrada e posse. Os pretendentes da frígida viúva se alternam em voltas circulares ao seu entorno sem nenhuma vitória ou fim, um eterno e seco cortejar  alguém totalmente inacessível. A filha Emma que buscou um casamento prematuro e a maternidade sequencial para romper o laço materno não obteve o desejado e, aos poucos, vai se acomodando aos contatos frequentes e diários com a mãe (amiga e confidente).

O marido Flap – jovem professor e único provedor familiar - não cobre as necessárias despesas com seus ganhos, causando a todos situações vexatórias. As crianças sofrem! Inevitavelmente a traição acontece e Emma busca consolo na casa da mãe.

Sua chegada com os três filhos é uma festa e a “eterna criança” pula no colo da mãe como uma menina, e coincide com o início de um relacionamento verdadeiro da Aurora com seu vizinho, o Astronauta boêmio. Flap anuncia uma mudança de cidade, trazendo de volta a esposa. Refaz o casamento apenas para oportunizar a descoberta da manutenção do caso como também do câncer que levaria ao desfecho fatal.

O tempo de hospitalização enfatiza os laços de ternura entre mãe/filha; marido/esposa; mãe/crianças; e amigas/perenes. A fusão inicial foi quebrada e todos puderam compartilhar o afeto dividido. Mas, ao final, o olhar de despedida se deu apenas entre a mãe e a filha – início e fim de tudo – retorno ao laço indissolúvel.

(*) Psicóloga e psicanalista

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