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A nova sinfonia

Até onde, por nos acostumarmos, deixamos de sentir? Foi a primeira coisa que pensei...

Julia Castello Goulart
Publicado em 04/07/2017 às 20:31Atualizado em 16/12/2022 às 12:15
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Até onde, por nos acostumarmos, deixamos de sentir? Foi a primeira coisa que pensei quando me perguntaram o porquê de eu ter chorado com a propaganda do Médicos Sem Fronteiras. Pode ser apenas porque sou sensível demais, também já me disseram isso. Mas esse simples fato me levou a refletir algo que estava me incomodando há um tempo. Depois que passei a assistir à mesma propaganda, todos os dias na TV, eu parei de sentir algo, simplesmente deixei de sentir qualquer coisa. O mesmo aconteceu com os moradores de rua, quando me mudei para São Paulo. Sentia-me de verdade mal, quando os via e ficava pensando em formas que eu poderia ajudá-los. Mas, depois de um tempo, passando todos os dias no meu caminho, deixei de realmente notar algo que me incomodava tanto.

Ao conhecer uma das performances da artista moderna Marina Abramovic em uma das minhas aulas de arte, cheguei a uma conclusão precipitada de que o homem é impassível ao sofrimento do outro. Essa apresentação de Marina consistia em ficar imóvel, enquanto os visitantes do museu podiam utilizar qualquer um dos objetos expostos em uma mesa na sua frente. Algumas pessoas fizeram cortes em sua pele com uma faca. Ela continuou estática, mas não é isso que me surpreendeu, mas, sim, as outras pessoas que estavam em volta e simplesmente ficaram impassíveis ao ver aquela cena acontecer. Incomodou-me que ninguém teve a necessidade de impedir que aquilo ocorresse, sendo que estava no mínimo do alcance dessa pessoa tentar. Não acho que seja possível salvar todas as pessoas do mundo e muito menos que se deva adquirir a “síndrome do super-herói”, porque infelizmente ninguém possui superpoderes.

O problema é quando refletimos sobre isso e percebemos que, ao estar tão preocupados com nossos próprios problemas, tão presos dentro do nosso próprio mundo, sentimos apenas sentimentos que já são confortáveis a nós mesmos. Porque, claro, é mais fácil viver na nossa zona de conforto. O problema de viver pensando só em si é viver com apenas um sentimento conhecido, que com o tempo vai se tornando automático. Às vezes é tão necessário que a gente se sinta desconfortável com aquilo ou aqueles que nos rodeiam. O desconforto é a ruptura da batida automática, que provoca uma nova batida. Mudar os ritmos às vezes, é o único jeito de nos mexer. O problema é quando vamos nos acostumando e nos tornamos impassíveis a qualquer sentimento do outro.

Se você já pensou que algo te incomodava muito, mas simplesmente se acostumou com isso, é preciso que se volte a olhar com outros olhos. Mude o caminho. Ouça outra música, deite do outro lado da cama e permita que de vez enquanto se possa sentir emoções diferentes. O que nos movimenta na vida e nos caminhos que percorremos é a busca por novas batidas, por coisas que ressoam de alguma forma dentro de nós. Porque no momento que se deixa de sentir qualquer coisa, bem, não se vive a vida, apenas se está nela.

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