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Oitavo andar

Parece título de música ou poema, mas, na verdade, esse título representa um marco...

Julia Castello Goulart
Publicado em 15/06/2017 às 20:50Atualizado em 16/12/2022 às 12:39
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Parece título de música ou poema, mas, na verdade, esse título representa um marco importante na minha vida: meu primeiro apartamento, no oitavo andar. Não foi fácil encontrá-lo. Visitei, marcadinho em uma lista, mais de vinte apartamentos, até encontrá-lo! É o apartamento dos meus sonhos? Nem de longe. Contudo, tirei um grande ensinamento alugando pela primeira vez um imóvel: você não acha nada com a sua cara - já que antes alguém bem diferente morava nele -, mas é possível torná-lo (quase) perfeito. É no momento da mudança que você descobre coisas escondidas de você mesmo, nem sempre propositalmente. Encontramos fotos antigas, em meios das páginas de um livro, canetas perdidas na gaveta, ingresso de cinema, e muita coisa que você poderia ter jogado fora ou ter doado, e você simplesmente foi acumulando. Tinha certeza que com duas malas grandes e três caixas seria suficiente para transportar minha mudança. Mas, no fim, foi preciso cinco malas grandes e mais de cinco caixas.

Nunca que pensei que dentro de uma casa precisava de tanta coisa. Guarda isso, guarda aquilo, lixo para isso, luminária para aquilo. Sempre havia achado um erro o estereótipo da “casa de solteiro” de forma pejorativa: só cerveja na geladeira, pão vencido, louça suja acumulada na pia. Tinha certeza que comigo seria diferente... Bom, pelo menos algumas coisas o sã ao invés de latas de cerveja, a minha geladeira é infestada de caixas de leite, ao invés do pão, minhas bolachas às vezes vencem, e sim, a minha louça passa muitos fins de semana suja. Sem falar da minha primeira conta de luz que veio no meu nome. Não que eu tenha ficado entusiasmada com o valor, mas ver o meu nome na conta de luz, pegar as correspondências na portaria está sendo um êxtase para mim, que fui uma criança que achava injusto a minha mãe receber coisas do homem do correio e eu não.

Morar sozinho e ainda em uma cidade grande é aprender de verdade a se virar sozinho e, claro, a comprar produto de limpeza, que seja bom e barato! Apesar de sempre ter sido do tipo independente, não havia me forçado a ir ao supermercado mesmo sem tempo para não morrer de fome. Agora eu vou. Comer um Miojo na fome, pela preguiça de cozinhar algo mais elaborado, é algo realmente muito comum. Mas, o mais interessante de estar morando sozinha é que me fez perceber realmente que eu havia me tornado agora uma jovem adulta cheia de responsabilidades, às vezes daquelas bem chatas que eu gostava de criticar quando criança.

Eu dizia que nunca iria crescer, mas é mesmo sem querer, talvez propositalmente, que você se torna adulta. Achei que algo aconteceria para marcar o início dessa minha nova fase. A verdade é que ninguém te prepara para a vida de adulto, você simplesmente só percebe que está chegando perto da água quando já está pulando e de cabeça. Percebi que havia me tornado adulta, não pelas contas a pagar, pelo supermercado que se faz, pelos móveis da casa que se compra, pelo chuveiro que estraga e ter que ficar em casa esperando o técnico consertar; é pensar naquela fatídica frase que a minha mãe me falava: “Enquanto você estiver sob o meu teto, você tem que obedecer às minhas ordens...”. Bom, para a sorte da minha mãe, e minha, agora eu tinha um teto só meu. No oitavo andar.

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