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Viver o momento

Certa vez ouvi, intrigado, o queixume amargo de um amigo: Minha vida se resume...

Padre Prata
Publicado em 28/05/2017 às 12:32Atualizado em 16/12/2022 às 13:03
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Certa vez ouvi, intrigado, o queixume amargo de um amig “Minha vida se resume em fazer o que não gosto. É uma chatice”.

Quase todos nós, vez por outra, nos queixamos do dever irremediável de fazer o que a gente não gosta. Às vezes, o dever toma ares de despotismo guiando nossos passos a contragosto. Nem sempre é leve e agradável o cumprimento do dever. É cansativa e massacrante a obrigação de fazer coisas apenas porque tem alguma utilidade. Tenho medo das pessoas pragmáticas. Fazem sempre o que é preciso fazer. E só. O que é bom é fazer o que a gente gosta, não por obrigação, mas por escolha livre.

Penso, então, na aposentadoria. É uma lei massacrante de nossos bem-aventurados dirigentes contra os idosos. Mas, vamos deixar isso pra lá, quero falar é de outra coisa. A aposentadoria pode ser um tédio intolerável ou pode ser uma libertação. Tudo depende da cabeça do aposentado. Levantar-se sem a obrigação de sair correndo para cumprir o dever. Não se deixar escravizar pelo relógio. Ler os Salmos em tradução livre, no silêncio intocado da madrugada. Conversar com Deus. Ouvir música suave. Ler o livro que se quer. Ler poesias. Sair sem rumo. Passear pelas ruas. Encontrar com os amigos. Observar as casas, os detalhes nunca antes percebidos. “Ver” as árvores. Os pássaros. Enfim, fazer o que a gente gosta, sem nenhuma utilidade prática. Esquecer as salas de aula, o escritório, o balcão. Passar um “X” bem grande, vermelho, em cima das antigas obrigações. Não receber ordens de nenhum patrão, principalmente daqueles muito cônscios de sua autoridade. (O poder inebria!). Se você tem netos, “perder tempo” em brincar com eles, em livrá-los, às escondidas, dos cuidados paternos. Dizem que os avós deseducam os netos. Não é verdade. O que é verdade é que os idosos adquirem um senso lúdico da vida que os faz aproximar-se das crianças. Eles se entendem. Os idosos são mais sensíveis. Ou são mais sábios? Não estão massacrados pelas obrigações.

Faz tempo li um texto muito significativo, parece-me que de Jorge Luiz Borges. Dizia mais ou menos o seguinte: se eu pudesse voltar atrás, viveria menos tenso. Não ligaria muito para aquelas coisas que muita gente chama de “coisas sérias”. Contemplaria mais o pôr do sol, andaria mais pelos campos, entraria mais nas florestas, sentiria o cheiro do húmus, percorreria os rios, caminharia na chuva, viveria intensamente cada momento. Assim é feita a vida, só de momentos. Viveria cada momento como se fosse o último.

O que realmente vale é a felicidade que os momentos aparentemente insignificantes da vida, todos os dias, colocam diante de nossos olhos.

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