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Inveja saudável!

Isso existe? O que existe é essa tentativa de dar uma conotação boa a um sentimento muito mal visto...

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 24/05/2017 às 19:55Atualizado em 16/12/2022 às 13:09
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Isso existe? O que existe é essa tentativa de dar uma conotação “boa” a um sentimento muito mal visto! Poucas pessoas aceitam de bom grado esse comentário sobre uma experiência afetiva invejosa vivida e tentam transformá-la numa admiração ou, ainda, numa rivalidade competitiva, mas elas não se confundem. Aquela se traduz pelo desejo imperioso de ter o que o outro tem, o mesmo objeto, e não um similar; portanto, é imperioso privar o outro daquilo que possui usando de qualquer arma que possua. Aquilo que é invejado é invariavelmente algo que já pertence a outrem e cuja falta em si é percebida súbita e dolorosamente. O passo seguinte é cobiçar esse “algo”, para o que, é óbvio, se necessita privar o outro do objeto em questão.

Não podemos nos esquecer de que o desejado é sempre imaginário e, além disso, é imaginado como único em seu gênero, portanto, incompartilhável: se é do outro, não pode ser meu, e não é meu porque pertence ao outro, o que não poderia acontecer. Assim, chegamos claramente ao substrato revelad a inveja se aparenta ao ódio e o que é sempre insuportável ao invejoso é a alegria do outro. O fator desencadeante da experiência invejosa é a alegria alheia – se o outro deixar de se alegrar, minha tristeza desaparecerá –, ele está alegre porque possui algo que o torna alegre, de onde a ideia de que, tomando dele esse “algo”, ficarei feliz por minha vez. Os homens são, geralmente, dispostos por natureza a invejar aqueles que são felizes e a invejá-los com um ódio tão maior quanto mais amam a coisa que imaginam na posse do outro.

Aquele queria (ser) tudo; “você tem tudo” – este é o objeto da inveja – em seguida veicula-se esse estado à posse de algo, uma espécie de talismã, do qual é imperativo privar o outro, seja por que meio for – esse é o suporte da inveja.

“A inveja habita no fundo de um vale onde jamais se vê o Sol. Nenhum vento o atravessa; ali reinam a tristeza e o frio, jamais se acende o fogo, há sempre trevas espessas. Assiste com despeito aos sucessos dos homens, e este espetáculo a corrói; ao dilacerar os outros, ela dilacera a si mesma, e este é seu suplício.” (Metamorfoses – Ovídio). A inveja se alegra com a dor de outrem, e a realização de seus propósitos tampouco a deixa feliz – ao dilacerar os felizes, ela se dilacera a si mesma, e esse é seu suplício.

Manter uma relação mãe/filha com a invejosa insere o indivíduo num campo agressivo e destrutivo, com consequente ameaça e constrangimento. Aquela que deveria inserir a outra na realidade do humano de falta e limite não consegue vivenciá-los porque experimenta a miséria da inveja.

(*) Psicóloga e psicanalista

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