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O pirata e a luneta

Certa vez, faz muito tempo, conversei com um pirata. Não era um desses patifes...

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 07/05/2017 às 10:50Atualizado em 16/12/2022 às 13:32
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Certa vez, faz muito tempo, conversei com um pirata. Não era um desses patifes que parasitam o sistema financeiro, nem desses que vivem de emprestar dinheiro ou dos que se locupletam com porcarias falsificadas. Era um pirata de verdade, de capa, espada e perna de pau. Ele foi um grande navegador, conhecedor dos mares e da arte da pilhagem, em especial de navios ingleses e espanhóis. Na época em que o conheci, ele já estava aposentado, uma raridade entre os piratas, porque quase todos morreram em combate ou foram enforcados. Ele disse que seu nome era Henry Avery, pirata famoso que atuou nos oceanos Atlântico e Índico no fim do século XVII. Eu não podia confiar muito nessa informação, pois piratas são muito dissimulados, faz parte da sua estratégia de sobrevivência e eu não lhes tiro a razão, se ele dissesse que se chamava Barba Negra ou Francis Drake eu acreditaria. Ele contou que teve alguns sucessos, o que lhe rendeu um bom dinheiro. Às vezes, se exaltava e dizia que tinha sido o Rei dos Piratas. Eu é que não iria contrariá-lo.

O que eu mais gostei foi quando ele contou sobre o mar, as tempestades e os lugares por onde navegou. Ah, como foi bom ouvir suas histórias, perceber sua satisfação quando falava dos companheiros e de como tapeavam os poderosos! Quantas aventuras, traições e riscos ele correu ao longo da vida! Entusiasmou-se ao falar das abordagens e das tormentas pelas quais passou com sua tripulação. Falou das grandes ondas, das borrascas e de como as enfrentava. Disse que, apesar de fatais, as mudanças de humor do mar eram mais confiáveis do que muitos burocratas que conheceu.

Então, eu pedi que ele me mostrasse algum objeto dos tempos da pirataria. Ele me olhou desconfiado, levantou-se vagaroso da cadeira de balanço e foi até seu quarto. Voltou com uma luneta antiga, meio enferrujada, gasta pelo uso e pela maresia. Pensei que traria uma espada ou uma bandeira negra, mas achei bom que tivesse trazido a luneta, ou telescópio, ele não soube me explicar a diferença entre um e outro. Disse que um italiano de nome Galileu foi quem inventou, ou um alemão, gente que viveu no início dos anos 1600, ele disse. Era um dos equipamentos mais importantes num galeão, pois permitia ver as embarcações que se aproximavam e isso era essencial para saber se era para atacar ou se defender, e não parava de falar.

Sobre a luneta, ele tinha boas histórias e uma ideia interessante. Embora permitisse que outros a usassem, a palavra final era dele. Tratava-se de garantir autonomia sobre o que via, disso não abria mão! E insistiu comig “Olhe ao redor e ao longe por você mesmo, sem desmerecer ninguém, mas aprenda a enxergar a vida a partir de seu próprio olhar. Entendeu?”.

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