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3018 – o ano que quase não começou

Era o ano de 3017 e tudo corria nos conformes. As crianças passeavam com suas babás...

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 23/04/2017 às 11:20Atualizado em 16/12/2022 às 13:50
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Era o ano de 3017 e tudo corria nos conformes. As crianças passeavam com suas babás nos parques privatizados, onde se cobrava um preço módico para desfrute de algum verde. Quando alguém queria contar a elas como era o som de uma ave ou do vento, bastava inserir um cartão numa das máquinas reprodutoras de sons naturais e escolher o pássaro, vento balançando folhas, água numa cachoeira, um sapo coaxando ou um grilo. Não existiam trilhas de terra, muito menos animais peçonhentos ou formigas cruzando os caminhos. Tudo era limpinho e brilhante, com as despesas custeadas pela venda de ingressos e de souvenirs imitando a pena de uma arara, um dente de onça, uma escama de peixe, coisas que não existiam mais na natureza, a não ser nos criadouros autorizados com a finalidade de consumo em restaurantes exóticos ou para colecionadores de raridades.

Todos ralavam no trabalho duro. Em compensação, à noite, a família se reunia para assistir à televisão, que se autodesligava às 22h e só transmitia programas edificantes. Existiam poucos contratempos e a vida era monitorada por moderníssimas câmaras de vigilância.

Nas ruas e estradas não aconteciam acidentes, o trânsito era controlado por um avançado mecanismo em que os carros eram encaixados em trilhos e conduzidos até o destino, mediante pagamento de pedágio. Não havia o risco de ultrapassagens perigosas, nem de colisões, embora ninguém pudesse parar no meio do caminho, mudar de rota ou simplesmente alterar a velocidade, que fosse pelo simples prazer de usufruir da paisagem, até porque não existia paisagem alguma, apenas milhares de outdoors colocados nos dois lados das vias, retratando cenas bonitas de montanhas, de desertos, cenas marinhas e animais selvagens extintos anos atrás.

As escolas eram verdadeiros oásis de culto à informação e à imbecilidade, quer dizer, à docilidade. Nelas, imperava a obediência e os estudantes ali permaneciam o dia todo. Ouvia-se, sem interrupções, música ambiente para preencher o vazio da existência, música sem letra, para não influenciar espíritos inconformados. A entrada nas salas de aula se fazia com a formação de filas, em perfeita ordem, os professores acompanhando cada gesto, cada intenção, cada deslize, mas sem entrar nas salas, cuja regência, escolha dos conteúdos e avaliação era de responsabilidade de um centro de controle educacional e pedagógico localizado fora da escola. Aos professores cabia apenas fiscalizar, sem acesso às salas de aula. Ninguém sabia dizer por que continuaram sendo chamados de professores. Desvios de comportamento eram registrados pelas câmaras e julgados pelo conselho superior de censura, que determinava as penalidades. Tudo era chato e monótono.

Um dia, a desesperança cresceu muito, tornando-se insuportável. Para piorar, as máquinas pararam e ninguém nunca soube se por sabotagem ou desgaste natural. Instalou-se o caos! As pessoas, cansadas de tanta tristeza, decidiram mudar o mundo. Foi quando o futuro voltou a fazer sentido. Ufa!

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