Dietmar Kamper foi um escritor e pensador alemão do século 20, que estudou sobre filosofia, sociologia e antropologia. Um de seus pensamentos sobre aquele século e o século 21 me encontrou, sem querer, em uma das minhas aulas de Cultura. O professor citou-o como exemplo e eu, rapidamente, o considerei um gênio. Ele foi o meu terapeuta ali naquele momento, sem querer, esclarecendo uma angústia que estava comigo há uma semana: Estava sem o meu celular!
Estranhamente, nunca me considerei uma pessoa apegada à tecnologia. Mesmo sendo da geração “Millennials”, sempre pensei que não precisava da tecnologia a todo momento da minha vida; de certa forma, ainda me considerava autônoma. Minha surpresa foi que, desde a quebra do meu celular até o período de arrumá-lo, tudo começou a ficar imensamente mais complicado. Eu era uma tremenda inútil sem o meu celular. Precisava dele para acordar (o despertador), para me locomover por São Paulo, que ainda me é desconhecida; para me comunicar com qualquer outra pessoa que não esteja comigo no momento!
O mais impressionante é que, sem o celular, me senti excluída do mundo. Eu só ficava sabendo do que acontecia através do celular, tanto das notícias como do que acontecia na vida de amigos e familiares. Eu não podia curtir nem comentar nada. Estava sentindo falta até de digitar em alguma coisa. Contudo, de repente, algo aconteceu: meus dias pareciam ter mais tempo e eu conseguia fazer mais coisas, como ler um livro, escrever, lavar a louça, ir ao supermercado. Percebi que toda vez que me sentia entediada eu perdia o meu tempo com o celular. Agora, sem ele, toda vez que eu sentia tédio, eu fazia inúmeras coisas. O celular, como qualquer outra tecnologia, precisa de nós para ligar, para desligar, para funcionar, isso eu sempre soube. Mas era a primeira vez que eu percebia que EU precisava da tecnologia. E que eu deixava de fazer muitas coisas não por falta de tempo, mas porque estava no celular.
O pensamento de Kamper, que surgiu em mim como um “esclarecimento”, é de que existe um cicl Deus criou o homem, o homem criou a tecnologia, a tecnologia criou o homem, o homem criou Deus... E podemos dizer até que a tecnologia se tornou Deus! Deus criou o homem, representa o pensamento teocêntrico da nossa sociedade caracterizada pela Idade Média. Posteriormente, com a Revolução Industrial, Antropocentrismo, revoluções científicas e culturais, o homem havia criado a tecnologia. No século 20 e, principalmente, 21, a tecnologia criou outro tipo de homem, um homem que precisa da tecnologia para sustentar o seu já estilo de vida. E, como vamos percebendo, com os novos avanços, existe um limiar muito sutil entre a nossa própria privacidade; a tecnologia “controla” o mundo e todos nós. A tecnologia precisou de nós para existir, porque a criamos. Mas, hoje, nós precisamos dela. Torcemos, por exemplo, pelos seus avanços na saúde, para que se possa viver sempre mais.
Eu gosto da tecnologia e espero que ela ainda tenha muitos progressos, mas percebi que, às vezes, é preciso ficar um pouco off-line e viver o mundo sem estar por trás de uma tela ou de um teclado. Que, apesar de representá-las, as emoções humanas não são emojis. Que, às vezes, vale a pena aprender caminhos diferentes do que fazer sempre o mesmo caminho, escolhido por um aplicativo. Porque, por mais que precisamos cada vez mais da tecnologia, ainda há como viver humanamente...
Julia Castello Goulart