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Transgeneridade: a luta é de quem?

Estampou os jornais esta semana o caso de Gavin Grimm, estadunidense, nascido do sexo feminino, mas que...

Hugo Henry Martins de Assis Soares
Publicado em 11/03/2017 às 08:21Atualizado em 16/12/2022 às 14:42
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Estampou os jornais esta semana o caso de Gavin Grimm, estadunidense, nascido do sexo feminino, mas que reconhece-se do gênero masculino.

Gavin lutou ao longo da vida para ter os seus direitos efetivados, inclusive o de utilização do banheiro masculino na escola, fato este que levou a questão à Suprema Corte dos EUA.

O caso tomou maiores contornos com a revogação pelo atual presidente Donald Trump do Decreto em que se permitia a utilização dos banheiros de acordo com a identidade de gênero em que a pessoa se identifica.

Pelo revogado Decreto, preponderaria a identidade de gênero, e não a sexual, esta tão relativizada e questionada em uma sociedade plural, com abertura de espaços, em que se busca, constantemente, a inclusão e dignidade da pessoa.

Em sentido diametralmente oposto, movimentos lutam pelo retrocesso social, com a persistência na ideia de que as pessoas devem permanecer como nasceram: a “escolha divina” determina, para sempre, a consciência do ser humano, sem qualquer margem às discordâncias.

Tempos de extremismo e intolerância em relação às diferenças, com a prática de violência verbal, física, emocional, contra os pertencentes das minorias sociológicas, com a predominância do discurso de ódio, sempre em busca da vontade da maioria, já há muito mitigada.

Para o senso comum não há qualquer sentido em identidade de gênero, uma vez que os aspectos físicos, naturais, já resolveriam todo o imbróglio. Entretanto, a visão moderna, tanto jurídica quanto social, deve amparar, e reduzir, as desigualdades da sociedade.

A discussão não permeia apenas os Tribunais e sociedade dos EUA. No Brasil, há um profícuo debate, também com Tribunais a decidirem sobre transgeneridade.

O Ministro Luis Felipe Salomão, Superior Tribunal de Justiça, relator do Recurso Especial 1626739/RS, entendeu ser possível a mudança de estado sexual no registro, sem, contudo, ocorrer a mudança física de sexo. Ou seja, transgênero pode alterar registro civil sem cirurgia de mudança de sexo.

Ainda não há decisão colegiada neste Recurso, mas já existem decisões de Tribunais estaduais favoráveis à alteração do registro independentemente da modificação física, inclusive com o tema pendente de decisão pelo Supremo Tribunal Federal. Reconhece-se o gênero, o estado da pessoa, e não a sua “verdade biológica”.

O que se analisa, portanto, é a possibilidade de uma pessoa continuar ostentando elementos característicos do estado sexual masculino ou feminino, mas constar em seu registro o sexo oposto.

Para o Ministro Salomão, “vemos hoje a necessidade da superação de preconceitos e estereótipos de gênero, bem como a importância do exercício da alteridade, notadamente em razão do contexto atual: uma sociedade que adota um sistema binário de gênero e que marginaliza e estigmatiza indivíduos fora do padrão heteronormativo”.

O que se constata das decisões judiciais contemporâneas, neste e em outros casos concretos, e mais ainda, o que se deseja, é a ampliação das discussões sobre identidade de gênero, com relevância dos aspectos jurídicos, sociais, históricos e culturais, tão rechaçados pelo senso comum, através de seu discurso de ódio, em muitas vezes essencialmente religioso.

Importante dizer que a transgeneridade reflete nas mais diversas vivências da sociedade, inclusive nas famílias brasileiras, a partir da concepção de pluriparentalidade, e reconhecimento do outro.

Utilizando os termos do próprio Gavin, “a luta é maior do que eu”, ou que qualquer um de nós, que julga ter conhecimento ou mesmo percepção sobre a realidade das pessoas que buscam espaço e maior respeito à sua dignidade.

Pós-escrit aproveita-se a discussão de gênero para parabenizar as mulheres pelo seu dia, comemorado aos 8 de março. Por óbvio, não há que se falar em apenas um dia para congratular as mulheres, nascidas ou assim reconhecidas, mas a data é imprescindível para refletirmos sobre a incansável luta de superação da cultura machista arraigada na sociedade brasileira.

Hugo Henry Martins de Assis Soares

Cientista político

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