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Raízes de ódio

Por algumas vezes, já na distante década de noventa e enquanto a serviço de uma antiga...

Gustavo Hoffay
Publicado em 18/02/2017 às 20:28Atualizado em 16/12/2022 às 15:06
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Por algumas vezes, já na distante década de noventa e enquanto a serviço de uma antiga e reconhecida Fundação, entrei a serviço em uma cadeia pública e o que muito serviu para marcar a dimensão cidadã da minha consciência. Desde então a lembrança daquelas dependências e das pessoas ali em cumprimento das suas respectivas penas, periodicamente surge como a flashes em minha mente e, quanto mais, a cada vez que tomo conhecimento pela imprensa de rebeliões em presídios ou delegacias em pontos diversos do nosso Brasil. Juro que, conscientemente, já procurei de várias formas apagar ou alterar as traumáticas imagens captadas pelos meus olhos e profundamente registradas pela minha mente naquelas ocasiões e o que, infelizmente, terminou sendo inútil. Busco, então, acautelar-me e permanecer em silêncio a cada nova e desafortunada lembrança e como forma, também, de não deixar-me tresloucadamente envolver em busca por soluções em médio prazo que cabem, ao menos em tese, aos políticos depositários da nossa confiança e que temporariamente gozam do suprassumo do poder de que estão investidos. A trágica problemática da maioria das prisões onde apenados, ano após ano, penitenciam-se como a mulambos desvalidos, torna-se ainda mais preocupante se se considerar o fato de que, para a grande maioria da nossa polução, as mesmas já não servem para outro fim que não seja continuar na qualidade de “depósitos” de pessoas inúteis, incapazes e perigosas. Cadeias públicas e penitenciárias tupiniquins são testemunhas, antes de tudo, da incapacidade administrativa/operacional e do desleixo do estado para com assuntos que, para os nossos governantes, não servem de fontes de créditos politiqueiros pois trata-se de raízes do ódio, da crueldade e da perversão “das gentes de mentes desqualificadas” e que não sabem fazer outra coisa senão meter o bedelho onde não são chamadas ou seja: nós! Depois da minha última visita àquele lugar, aumentou ainda mais em mim uma grande oposição ao atual sistema carcerário tupiniquim. Por mais de vinte anos trabalho direta e ininterruptamente com pessoas que destruíram ou deixaram-se destruir em função de uma vida errante e por isso venero, repito, venero muito profundamente o sacrifício de dezenas e dezenas de milhares de compatriotas que, antes, erraram e fizeram sofrer, mas que, hoje, encarcerados, insistem na busca da sua regeneração por meio de um senso humanitário estatal que viesse a reconhecer, em cada um deles, a possibilidade de obterem a vitória sobre esse nosso sistema de vida e que nega-lhes a dignidade de se autopromoverem. Qualquer reflexão sobre o atual estado do sistema carcerário brasileiro é difícil de esgotar-se. Cabe a nós a imperiosa obrigação de dedicar-nos à tarefa de instaurar debates a esse respeito e de modo a tornar mais urgente uma especial atenção sobre o referido tema, abrindo caminhos a diálogos sinceros e nunca perturbados por sentimentos de revanchismo.

(*) Agente social

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