ARTICULISTAS

Telhado de vidro

Quem tem telhado de vidro/ tem que andar bem direitinho./ Macaco, olha o teu rabo...

Mário Salvador
Publicado em 24/01/2017 às 19:42Atualizado em 16/12/2022 às 15:33
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“Quem tem telhado de vidro/ tem que andar bem direitinho./ Macaco, olha o teu rabo,/ deixa o rabo do vizinho.” A música de Francisco Santos, gravada para o Carnaval de 1923, traz essa reprimenda àqueles que se preocupam com a vida alheia, quando deveriam cuidar da própria.

Mortes violentas são comuns no noticiário mundial: assassinos investem contra uma multidão, jogando o caminhão sobre ela, ou atirando a esmo, ou explodindo-se como homens-bomba com um veículo cheio de dinamites... Nesses e em tantos outros impactantes episódios, muitas vidas são exterminadas.

Não tem sido muito diferente disso o funesto cenário brasileiro, que, como acontece com todos os outros países, é coberto por imenso telhado de vidro, permitindo que o mundo todo confira o que se passa aqui.

“Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”, previu, em 1982, o antropólogo Darcy Ribeiro. Acertou em cheio. O crime organizado está vencendo a batalha contra os governos desorganizados. Penitenciárias brasileiras se transformaram em um cenário de horror na guerra entre facções rivais. Confronto, chacina de vários presos, feridos aguardando socorro, angústia de parentes, barbáries e destruição são o resultado das rebeliões nos presídios superlotados, sem condições mínimas para a reeducação e ressocialização de detentos.

De dentro dos presídios, chefões de facções que querem dominar a cadeia comandam tanto os integrantes do seu grupo que estão presos quanto os que estão em liberdade, dando ordens para agirem dentro e fora dos presídios, ajudados por uma vistoria falha, pela circulação livre dos presos entre os pavilhões, por bloqueadores de sinal de celular ineficientes e pela facilidade para fugir. A uma ordem do comando, veem-se ônibus incendiados, invasões, motins, depredações, evasões, extermínio de adversários, além de decapitações e esquartejamentos – que têm dificultado a identificação dos corpos. O crime organizado sabe como conseguir celulares, drogas e armas, que circulam livremente entre os detentos que executam as “sentenças de morte”. O governo, se quiser algum sucesso, tem que se contentar em negociar com as facções.

Lamentamos os conflitos em qualquer parte do mundo, afinal o ser humano almeja a paz. Porém é preciso que, antes, voltemos a vista para o nosso país. Há um preço pelos anos de menosprezo ao sistema prisional. Colhemos os frutos de uma tragédia anunciada, como um dia predisse Darcy Ribeiro. Agora, há muito trabalho a ser feito. Não ficou nenhuma dúvida: nosso telhado é de vidro cristalino.

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