ARTICULISTAS

Fruta da Índia

Sabe quando uma fruta apetece além do seu sabor, cheiro, paladar e o prazer de degustá-la?...

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 20/12/2016 às 20:30Atualizado em 16/12/2022 às 16:06
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Sabe quando uma fruta apetece além do seu sabor, cheiro, paladar e o prazer de degustá-la? Quando ela representa bem mais do que meramente um nutriente e passa a alimentar a alma? Pois é, pra mim essa fruta é a lichia, que me acompanha desde a infância com o nome de fruta da Índia, como era chamada em família. Lichia tem aroma de amora de mancha violeta, tem o amargo do tamarindo e a lembrança da tamarineira, do jatobá, do jambo, da fruta do conde, do pé de grapefruit, da jabuticabeira, do abacateiro, com seus abacates esborrachados ao chão batido, da goiabeira, com seus galhos de forquilha para nossos estilingues, cuja munição colhíamos nas mamoneiras. Ah, as mangas, sim, as mangas, quantas e quantas sabina, coquinho, bourbon; maduras, verdes e de vez. Lichia tem o frescor das folhas úmidas em aclimatizada alameda de mangueiras que formam o tapete verdejante da caminhada do portão ao casarão. Lichia tem o porte de eucaliptos imensos, longilíneos, imponentes, tem a cara das magnólias perfumadas, das acácias “novembrinas”, dos jasmins manacás, das roseiras, dos beijos hibiscos, do flamboyant avistado da “janela lateral do quarto de dormir” e da pinha para adornar a mesa da sala. Lichia lembra o trepidar do assoalho na passagem do trem da Mogiana, que, inquietos e curiosos, amontoávamos debruçados nas janelas do fundo, para contarmos quantos vagões eram puxados pela locomotiva, cuja estrada estava poucos metros após o limite da chácara. E os marrecos, patos, gansos que bicavam, galinhas d’angola com seu tô fraco, tô fraco e os perus, glugus. Lichia me traz à mente Nietzsche, Schopenhauer, Kant, Dostoievsky, Marx, Proust, Rousseau, Camões, Dante, Maquiavel e, sobretudo, Cervantes, o Dom Quixote, que desde cedo me despertou pelas histórias que ouvia do tio Abel. Lichia também é cada estante da biblioteca que abrigava todos os autores e títulos acima mencionados, assim como outras inúmeras obras que avolumavam as prateleiras. São as pinturas de Reis Júnior, em cuja parede da sala principal contemplamos a Santa Ceia no enorme afresco. Lichia se apresenta bem em dezembro. Todas as vezes que a vejo nas bancas do Mercado me reencontro com minha saudosa mãe. Esse é a lembrança que a lichia me oferece anualmente. Estou prestes a recebê-la e por ela desejar-lhes um Feliz Natal.

(*) Engenheiro

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