Vagabundização

Mostrando sua satisfação pelo parecer da reforma da Previdência Social a que foi favorável, o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS) afirmou: “O tempo da vagabundização remunerada acabou.”

Embora pudesse optar por inúmeros vocábulos, Alceu, para se referir aos aposentados, preferiu o infame neologismo vagabundização, que, obviamente, não está dicionarizado. Sob espanto geral, seus pares solicitaram que Alceu respeitasse os aposentados. Que nada! Sentindo-se valorizado, ele confirmou que os milhões de aposentados no Brasil são vagabundos que vivem às custas do governo.

É lamentável um deputado não ter idoneidade para respeitar uma parcela daqueles que ele representa – a dos aposentados, que só puderam receber seus proventos após cumprir os requisitos da lei previdenciária. E não há nenhum aposentado no meio do povo recebendo como os aposentados políticos. Não, mesmo! Aposentados não são vagabundos. São trabalhadores que labutaram por décadas até conquistar as exigências da lei. E só assim passaram a se beneficiar do prêmio por seu trabalho.

Com o dinheiro curto, todo cuidado é pouco quando se trata de Previdência Social. Por isso, haverá, sim, mudança na Lei Previdenciária, dificultando bastante, aos trabalhadores hoje na ativa, o acesso à aposentadoria. Na verdade, em inúmeros casos, o trabalhador não viverá o suficiente para se aposentar.

Nessa reforma significativa da Previdência Social, segurados que recebiam auxílio-doença foram submetidos a criteriosa sindicância com novos exames. E milhares de trabalhadores retornaram a seus postos. E seria ótimo que a Previdência fosse aliviada de muitos encargos, que seriam absorvidos por outros setores, como sugerem economistas estudiosos dos problemas previdenciários. Além disso, cabe ao país abrir frentes de trabalho, em vez de dificultá-las. Com treze milhões de desempregados, a Previdência deixa de receber muito dinheiro. E melhor ainda será rever uma série de benefícios vergonhosamente generosos que recebem alguns privilegiados. Como é o caso de todos os deputados...

Receber ofensa de um deputado é inaceitável. Alceu se esquece de que recebeu votos dos aposentados e suas famílias para defender-lhes os direitos. E como só é possível alguém se expressar usando termos que lhe são familiares, talvez vagabundização esteja no repertório linguístico do deputado, por ele ter cunhado o neologismo olhando-se ao espelho. Refletiu, então, sobre vultosos benefícios que os trabalhadores brasileiros, sem assim o desejarem, lhe pagam. Mas pode ser que a ideia mais importante esquecida por Alceu seja a de que manifestações pessoais são reveladoras: elas permitem que conheçamos o caráter do seu autor.