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Sozinhos?

Ainda me lembro como esperava com ansiedade as manhãs de domingo....

François Ramos
Publicado em 10/12/2016 às 18:23Atualizado em 16/12/2022 às 16:14
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Ainda me lembro como esperava com ansiedade as manhãs de domingo. O ritual se repetia todas as semanas. Acordava às 8h, tomava banho. Vestia a melhor roupa e então um cafezinho delicioso com pão quentinho e muita manteiga me aguardava. Às 9h estava na missa. Apesar de gostar muito daquele momento, não conseguia parar de pensar no retorno para casa.

Domingo era dia de casa cheia na casa da minha mãe/vó Mariinha. Tia, tio, primos, amigos, todos reunidos para um almoço que tinha o mais delicioso dos ingredientes: família. Era muita conversa, muita história, muitos conselhos e experiências de vida a partilhar. Não faltavam broncas, mas sobravam carinho, sorrisos e palavras de afeto.

A comida era simples. Arroz, tutu, macarrão (aquele grosso, que vinha em embalagens de papel), salada de alface e o tradicional franguinho assado. Refrigerante era um item de luxo. Assim, o almoço para aquele batalhão era regado com uma garrafa de um litro de Guaraná Taí e uma de Coca-Cola (eu guardava as tampinhas para trocar por brindes, como as minigarrafas que hoje são comercializadas). Um copo americano para cada membro daquela comunidade. Uma delícia que ajudava a lubrificar o bate-papo que tinha dois volumes: alto e mais alto.

Na sala, retratos de uma bisavó paterna e um bisavô materno, que eu não cheguei a conhecer, pareciam acompanhar alegremente aquele momento de união, sempre finalizado com mais um cafezinho. Enquanto aqueles que chegaram pela manhã estavam de saída, chegavam as visitas da tarde, mais tios, primos, parentes que eu não conhecia, amigos e vizinhos. Sempre sem avisar. Afinal, avisar como? Telefone era artigo de luxo. Só conseguimos comprar um em 1997.

Os laços de amizade e fraternidade eram uma vez mais renovados naquele dia. Mais café, agora servido com um bolinho de chuva ou biscoito de polvilho (salgado e doce). Depois ainda tinha doce de figo, doce de leite feito em casa ou alguma outra “iguaria”. Mas o bom mesmo era a presença de todos na minha casa. A alegria e a simplicidade nos faziam esquecer que existia televisão. Afinal, pra quê? Com tantos amigos para conversar e dividir as conquistas e as angústias, não precisávamos de nada para nos tirar a atenção.

Aos poucos, tudo foi passando. Divórcios foram acontecendo, os mais velhos morrendo, os amigos partindo sem que outros fossem chegando. A vizinhança foi modificada. Muros altos e portões fechados pareciam um aviso que ali não se era mais bem-vindo. As crianças foram crescendo e se tornaram adultos mais frios, distantes, cheios de preocupações e objetivos para os quais a família parecia um estorvo.

A verdade é que nossas casas foram se tornando mais frias. De alegres espaços de convivência se transformaram em túmulos sem epitáfio. Ninguém mais parece querer entrar. Acabou-se aquela vida em que o coração festivo era uma rotina que se repetia todos os dias.

O calor humano que fazia o domingo ser o melhor dia da semana deu lugar a uma solidão muitas vezes não percebida. A ausência de amigos e da família é suprida por TVs, DVDs e internet. As conversas e sorrisos deram lugar a Facebook e curtidas. Os encontros na calçada agora ocorrem no plano virtual, pelo WhatsApp.

O caminho que escolhemos trilhar parece a cada dia mais frio e desolador. Não abrimos mais espaço em nossa vida, pois temos medo de que até mesmo as nossas boas lembranças sejam roubadas. Se continuarmos assim, morreremos sozinhos. É preciso retomar o desejo e a disposição para viver em comunidade, pois esta é a nossa essência. Queira Deus sejamos capazes de nos reencontrarmos com a celebração da vida.

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