ARTICULISTAS

A sociedade não pode admitir retrocessos no combate à corrupção

As investigações e processos penais no âmbito da operação Lava Jato vem descortinando crimes que refletem...

Thales Messias Pires Cardoso
Publicado em 05/12/2016 às 08:06Atualizado em 16/12/2022 às 16:18
Compartilhar

As investigações e processos penais no âmbito da operação Lava Jato vem descortinando crimes que refletem o que há de mais patológico nas relações entre o alto poder político e a alta esfera empresarial. Até agora, apenas na primeira instância, foi detectado o pagamento de R$ 6,4 bilhões em propinas, dos quais R$ 3,1 bilhões são alvo de recuperação, mediante repatriação de valores e bloqueios de bens. Foram condenadas 118 pessoas a penas que alcançam 1.256 anos.

A Lava Jato é o exemplo mais contundente do combate à corrupção no país. Não por acaso, no último dia 3/12, a força-tarefa Lava Jato venceu o prêmio anticorrupção da respeitada Transparency International. Mas há diversas outras operações ora em curso Brasil afora, como Zelotes, Acrônimo, Mamãe Noel, Aequalis...

Na Itália, como consequência da Operação Mãos Limpas, na década de 90, que desbaratou crimes da máfia e de corrupção envolvendo altos políticos e empresários, houve reação política no sentido do enfraquecimento dos instrumentos institucionais que a propiciaram.

Assiste-se a reação semelhante no Brasil: negociatas, nomeações de magistrados de tribunais superiores que supostamente teriam entendimentos favoráveis aos investigados e réus, tentativas de calar colaboradores e até mesmo projetos de lei que alteram as regras do jogo. Tais tentativas, todavia, não estavam logrando êxito, principalmente por força da vigilância da opinião pública.

Paralelamente, em vista das deficiências existentes no ordenamento jurídico brasileiro, o Ministério Público Federal encabeçou o anteprojeto de lei das 10 medidas de combate à corrupção, que pretende aprimorar o sistema de persecução penal e de improbidade administrativa, em consonância com compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil e experiências de outros países. As 10 medidas foram acolhidas por mais de 2 milhões de cidadãos e por milhares de entidades públicas e privadas.

A Procuradoria da República em Uberaba atuou ativamente em prol do anteprojeto, tendo angariado o apoio de centenas de cidadãos uberabenses e de entidades públicas e privadas locais.

As 10 medidas se tornaram o Projeto de Lei nº 4850/2016, de iniciativa popular, que tramitou na Câmara de Deputados.

Como reação ao projeto, apresentou-se a emenda de “anistia ao caixa dois”, de autoria desconhecida. A proposta de emenda “sem cabeça” tinha sofrível redação, mas deixava claro seu objetiv anistiar os crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro apurados na Lava Jato.

Como houve pressão da opinião pública, o discurso na Câmara dos Deputados foi de “ninguém sabe, ninguém viu”. O Presidente da República, acompanhado dos presidentes da Câmara e do Senado, veio a público, num domingo (27/11), dizer que, se fosse o caso, vetaria a “anistia do caixa dois”.

Na última terça-feira (29/11), dia de grande tristeza diante do acidente na Colômbia com o avião que transportava a delegação da Chapecoense e jornalistas, foi aprovado, na calada da noite, o relatório do Projeto de Lei nº 4850/2016, porém de forma totalmente desfigurada.

Os deputados apresentaram e aprovaram uma série de emendas. Caprichosamente, deram prioridade e aprovaram a que fixa tipos penais de abuso de autoridade por parte de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. Na sequência da madrugada, suprimiram a maioria das 10 medidas, como a previsão do crime de enriquecimento ilícito de agente público, a reforma no sistema de prescrição penal e as disposições que facilitariam a recuperação do lucro derivado do crime.

A rigor, remanesceram apenas a criminalização do caixa dois e a medida que fixa marcos de razoável duração do processo e transparência das estatísticas do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Com placar suficiente para aprovar emenda constitucional (Sim: 313; Nã 132; Abstençã 5), os deputados inseriram tipos penais funcionais abertos, que criminalizam interpretações e opiniões, de forma a intimidar a atuação de juízes, promotores e procuradores.

Muitos justificaram a inserção da emenda com base no princípio da isonomia, no sentido de que referidos agentes públicos também devem responder pelos seus atos, se abusivos. O argumento é falacios já existe lei de que regula o abuso de autoridade (Lei nº 4.898/1965) que se aplica a juízes, promotores e procuradores, que também estão sujeitos a toda a legislação penal.

Referida lei sobre o abuso de autoridade necessita de aprimoramentos? Sim. E para isso há projetos de lei específicos, como o PL nº 280/2016, em trâmite no Senado Federal.

Mas naquela noite de luto não se discutiram maneiras de se avançar no combate à corrupção, em sintonia com compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e com experiências de países mais avançados: veicularam-se retrocessos, com grande potencial de repercutir na investigação e processamento não apenas de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, mas também de quaisquer outros crimes, inclusive homicídios, roubos, tráfico de entorpecentes e terrorismo.

Mas não somente. No decorrer do mesmo dia da aprovação (30/11), senadores articularam a votação em regime de urgência do projeto, a toque de caixa. Felizmente, a proposta foi barrada.

O projeto aprovado pela Câmara e enviado ao Senado é deveras desvirtuado. É preferível que seja totalmente rejeitado. A Lava Jato e outras operações de combate à corrupção avançaram e tiveram sucesso com base na legislação existente. A sociedade não pode admitir retrocessos.

THALES MESSIAS PIRES CARDOSO

Procurador da República em Uberaba

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por