Eu tinha pressa. Aquela ameaça de chuva grossa me assustava. Ao virar a esquina, logo...
Eu tinha pressa. Aquela ameaça de chuva grossa me assustava. Ao virar a esquina, logo na minha frente, sentados no primeiro degrau de um edifício, dois rapazes conversavam. Eram daqueles que assustam. Camisetas coloridas, calças no meio da canela e boné de pala na nuca.
Logo pensei no pior. Foi o que aconteceu. Um deles abriu o bic “Moço, você não tem uma graninha aí pra nós?”. Fiz-me de surdo. “Só uns dez paus”, insistiram. Começava a chover. Apressei o passo. Enquanto abria o guarda-chuva, sem perceber, minha carteira caiu. Não vi. Só ouvi um dos rapazes gritar: “Moço, o senhor deixou cair sua carteira”. Vi que o rapaz vinha com ela na mão e me entregou. Invadiu-me um estranho sentimento de vergonha. Procurei reparar o mau juízo, abri a carteira e dei-lhes uma boa gorjeta. “Deus lhe pague, moço”, agradeceram. Nem assim a vergonha passou. Tive a impressão de que o bandido era eu. A chuva começou a cair como que procurasse lavar meu pecado daquele mau juízo.
Nunca me esqueci daquele episódio. Não estou procurando sugerir que devemos acreditar em todo o mundo. Estamos rodeados de malandros, de vigaristas, de caloteiros. Mas, pensando bem, ainda há muita gente honesta. Formam a maioria. O que me preocupa é a facilidade com que julgamos os outros. Nós nos julgamos sempre honestos, bons cristãos. Criticamos os outros com muita desenvoltura. Falamos mal dos outros com muita afoiteza. É estranho nosso julgamento. Nós nos julgamos bons cristãos, com missas, terços e leitura da Bíblia. Mas não somos nada cristãos quando julgamos os outros. Pior ainda é que rezamos o Pai-Nosso. No fim desta oração há um “inciso” ao qual não damos a mínima atençã “Perdoai as nossas ofensas ‘assim como’ perdoamos aqueles que nos ofenderam”. Será que agradamos a Deus com esse distraído "assim como"? Não estamos mentindo?