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Faleceu Professor Deusdará

Para algumas pessoas a conjugação do verbo morrer é impraticável e, se títulos não tivessem...

Vera Lúcia Dias
Publicado em 02/12/2016 às 19:12Atualizado em 16/12/2022 às 16:21
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Para algumas pessoas a conjugação do verbo morrer é impraticável e, se títulos não tivessem que ser concisos, eu preferiria dizer, como Guimarães Rosa, que Professor Deusdará não morreu, mas sim ficou encantado...

Em decorrência disso, visitei a amiga Antonina, na noite que talvez tenha sido a mais longa de sua vida. Aquela em que os filhos retornaram para seus lares e ela se vê sozinha após 55 anos de convivência com o companheiro.

Esperando encontrar o convencional de um ninho recentemente esvaziado, encontrei uma casa harmoniosamente decorada para o Natal e a mesma serenidade que permeou a doença, os cuidados e o velório, típica de uma família espiritualmente equilibrada e madura.

Tristeza? Sim, mas não a tristeza dos remorsos e arrependimentos. Percebi a entrega confiante daqueles que têm a certeza de que o corpo se foi, mas o espírito permanece nas lembranças do que foi vivido em família.

Antonina contou-me muitos detalhes da vida de Deusdará e que, respeitosamente, partilho com quem só o conheceu na fase já adulta.

Nasceu em São Raimundo Nonato, no Piauí. Ficou órfão de pai e mãe precocemente. Criado pela família paterna, estudava à noite à luz do candeeiro, instigado pela avó a economizar o combustível e, ainda assim, foi sempre o primeiro da turma.

Como muitos, teve sua passagem por um seminário na adolescência. Nele não permaneceu porque pesou mais o desejo de construir sua própria família e, dessa forma, teve com Antonina três filhas, um filho e seis netos.

Era muito culto. Entendia um pouco de grego e falava latim e francês. Na área educacional, foi Professor, Inspetor e Delegado de Ensino, denominação hoje mudada para Superintendente. Ironicamente estava incluído na programação do Jubileu de Ouro da Superintendência Regional de Ensino de Uberaba, onde será representado por Antonina na cerimônia que homenageará, esta semana, “os profissionais que escreveram suas histórias para o sucesso desta instituição”, conforme consta no convite.

Foi também um leitor inveterado e declaro que sempre me senti muito lisonjeada quando, ao encontrá-lo, me dizia que lia todos os meus artigos. Segundo Antonina, era um hábito dele, após ler meus artigos, deixar o jornal dobrado de maneira que ela também o fizesse após sua recomendação.

Deusdará foi romântico. Presenteou a namorada e depois esposa com uma rosa vermelha em todas as datas significativas de cada ano durante mais de meio século de vida partilhada.

Foi um poeta que não reclamou na reta final. Ao contrário, lembrou-se de poemas de Cecília Meireles ao olhar suas mãos emagrecidas pela doença.

“Deus seja louvado” era sua expressão favorita. Em tudo via motivo para louvar a Deus. O novo dia, as plantas, o sol ou os bebês crescendo nos ventres de suas filhas ou de outras mulheres da família.

Avô paciente, saía passeando com a neta caçula, ainda aos oito anos, a ensinar-lhe a rezar a Ave-Maria, em Latim. Hoje, aos treze, esta foi a última oração que ela lhe dedicou minutos antes de fechar de olhos para sempre. Também nesse momento, a inseparável companheira de todas as horas estava ao seu lado para ajudá-lo num último gesto de carinho.

Ausência? Não. O ambiente físico e emocional desta especial família contará sempre com a presença de Deusdará, conforme Antonina na despedida final ressaltou, lendo um poema bíblico sobre a existência de um tempo para tudo na vida.

Houve um tempo de unir, agora é o tempo da separação física.

Siga em Paz, Professor! E que a saudade de você seja sempre amenizada pela lembrança de seus belos e doces exemplos como pessoa, esposo, pai, avô e profissional.

Que Deus seja louvado pela sua bem-aventurada e pródiga existência!

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