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Tu és quem eu fui

Passeando pelas entranhas de Minas, fui dar em uma região montanhosa, de topografia imponente...

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 22/11/2016 às 19:54Atualizado em 16/12/2022 às 16:30
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Passeando pelas entranhas de Minas, fui dar em uma região montanhosa, de topografia imponente. Da estrada de terra vê-se ao longe a espinha dorsal de trechos da Mantiqueira. Parece que lá fica tudo muito bem guardado e reservado. Tive a sensação de que quanto mais adentrava ia me desligando da realidade de lugares comuns, onde não conseguimos enxergar peculiaridades que despertam interesse. Deparei-me com um casal de idosos acomodados em suas espreguiçadeiras na calçada. Davam a impressão de tamanha cumplicidade que dispensavam qualquer diálogo entre eles. Simplesmente observavam os passantes com o silêncio sábio de quem sabe tudo que vai acontecer. Entretanto, eu quebrara a rotina e despertara curiosidade. O senhor fitou-me de cima embaixo com um olhar de sabatina, aquela expressão que os olhos dão ao rosto que o faz pronunciar sem palavras. Estava sendo avaliado. O resultado veio em forma de convite; chamou-me para sentar. Senti minha aprovação reforçada pela descontração da mulher que calmamente se voltou em minha direção, mudando a posição do corpo. Puxei uma cadeira e me associei ao casal na pasmaceira. A cerimônia foi dando lugar a uma recatada intimidade, quando o marido perguntou o que me levava até lá. Disse-lhe que era por interesse de curioso e por se tratar de uma bela região. Intrigava-me a senhora. Depois que se posicionou na cadeira de modo a não me perder de vista, ficou imóvel, como se estivesse petrificada. Bom, perguntei se tinham filhos. O velho disse-me que sim, dois, mas não os viam há muito. Informou-me que se engalfinharam por conta de uma moça chamada Malvina, que desandou com os dois e foi-se com eles. O nome dela me lembrou de uma prosa entre dois compadres, no interior mineiro. Um perguntou: – Por que a Inglaterra está brigando com a Argentina? – É por causa das Malvinas, respondeu. O primeiro concluiu: – Sabia que tinha mulher no meio. Voltando aos filhos, percebi no casal um conformismo intrigante em relação às suas ausências. A velha desapareceu. Perguntei o que tudo aquilo significava. Respondeu-me que nada tinha significado. Convidou-me para caminhar. Chegamos ao cemitério. Pediu que eu lesse o escrito na grade e sumiu fantasmagoricamente. Li atent “Tu és quem eu fui, tu serás quem eu sou”.  Daquele dia em diante jamais duvidei de assombração. Creiam, existe...

(*) Engenheiro

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