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Humor de cavaleiro

Um amigo cavaleiro me disse que sabe-se da qualidade do cavalo pelo humor do cavalgador...

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 08/11/2016 às 20:07Atualizado em 16/12/2022 às 16:42
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Um amigo cavaleiro me disse que sabe-se da qualidade do cavalo pelo humor do cavalgador. Sua expressão condena a qualidade da montaria. A cara sisuda reflete o galope duro e desconfortável que insiste em desajeitar o montador da sela. Será uma penosa cavalgada que passa a sensação de nunca ter fim. Amargos quilômetros de uma peregrinação desajustada entre montador e montaria. Nada lhe tira o mau humor, principalmente quando ao seu lado ginetes passam em harmonia desconcertante inevitavelmente exigindo a natural comparação. A agradável montaria reflete o bom humor e a cavalgada transcorre com satisfação em um molejo sincronizado que permite a sensação da maciez no galope. “Um confortável sofá ambulante”, arrematou o amigo, referindo-se ao animal. Pouco entendo de equinos; para ser mais claro, nada entendo. Pus-me a imaginar o semblante carrancudo daquele que trepida por constantes abalos de uma marcha irregular, dura, trôpega. De fato, não há como sorrir em cima de tudo isso. A constante instabilidade não permite outro foco e, assim, a fisionomia acompanha a dura cavalgada. Agora, aquele que se vai em um verdadeiro corcel está instalado em regalia e regozija-se da boa montaria, expressando a alegria de uma viagem prazerosa, suave, macia e confortável. Eis aí uma diferença que o amigo soube sintetizar para quem, como ele diz, não é do ramo; meu caso. O humor de cavaleiro está ao sabor do cavalo que monta. Meu contato com cavalos restringe-se à literatura. O que mais me marcou entre alguns de notável conhecimento foi o Rocinante, o conhecido e bem famoso cavalo de Dom Quixote de La Mancha. O nome, pesquisando a origem, vem de Rocim, que significa Pileca, cavalo fraco e pequeno. Sofreu em demasia levando o cavaleiro errante em suas aventuras e peripécias. Porém, para Quixote, Rocinante era o mais perfeito e puro Andaluz, o mais antigo cavalo de sela do mundo. Muitos impérios caíram e subiram em função dessa raça, por sua inteligência, bravura e maleabilidade; assim se pautava o cavaleiro da triste figura. A obra de Cervantes é em si a cavalgada que nos traz a leveza, o humor e a maravilha de uma viagem incomparável, cuja montaria foi há mais de quatrocentos anos. O humor do leitor cavaleiro está estampado nas deliciosas páginas que fazem dessa cavalgada a mais bem humorada e mais proveitosa viagem. Como disse Sancho, “não há maior loucura do que o homem matar-se pela melancolia”.

(*) Engenheiro

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