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Olho por olho, dente por dente

As manifestações em todo o Brasil, apesar da violência que sempre pauta as notícias da mídia...

Julia Castello Goulart
Publicado em 18/10/2016 às 22:36Atualizado em 16/12/2022 às 16:58
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As manifestações em todo o Brasil, apesar da violência que sempre pauta as notícias da mídia, continuam crescendo e se reverberando. Na manifestação do dia 4 de setembro contra o governo do presidente Michel Temer, que até então não havia tido confrontos, sem motivo aparente a PM começou a jogar bombas perto do metrô. Isso ocorreu já no fim do protesto, quando as pessoas já estavam se dispersando. Por que nessas manifestações - diferentemente do verificado nas pró-impeachment, meses atrás, na Paulista - a PM usou balas de borracha e bombas e foram noticiadas pela mídia como violentas?

Há algo muito errado com um país quando a polícia perde sua função de proteção e passa a utilizar meios de agressão nos cidadãos que, independente de suas ideologias políticas, tentam se manifestar. Muitos meios de comunicação se manifestaram a favor da intensificação da repressão policial. Esses defensores são contra os ataques ao patrimônio, mas se esquecem da violência da polícia contra as pessoas que ali estão. É crime destruir bancos, mas não é crime o fato de pessoas serem agredidas e presas pela arbitrariedade policial? Não só black blocs, mas manifestantes e jornalistas. Concordando-se ou não com a ação de depredação dos black blocs, é necessário conhecê-los.

Os black blocs são em sua maioria jovens da periferia. Sofrem com a exclusão de um Estado que não lhes proporciona oportunidades e os mantém sempre à margem, como se não fizessem parte da sociedade. Sofrem com a repressão policial dentro das favelas. Muitos deles usam das manifestações, o centro da cidade e quando a mídia está disposta a noticiar, para chamar atenção para a realidade em que vivem. No momento em que a mídia só consegue dar destaque a manifestações violentas, mais violentas elas se tornarão. Essa é a tese de David Graeber, professor de Antropologia da London School of Economics: “Sem uma imprensa e livre e atuante, as manifestações não violentas são ignoradas”.

O problema da violência das manifestações não se trata em apontar quem são os maus e bonzinhos da história - para a mídia, os bons policiais e os maus black blocs, como para muitos manifestantes, os bons são os black blocs e a polícia, os maus -, é a própria violência como única forma de resolver nossos conflitos ideológicos, as injustiças, a própria violência e as inúmeras formas de desigualdade. Como público, nós mantemos o mercado de notícias violentas, como usamos argumentos ideológicos para apoiar qualquer tipo de violência.

Nossa democracia - o Estado democrático de direito brasileiro - realmente está muito doente. Parece que não conseguimos encontrar outros caminhos de melhorias sem ser de forma violenta. Por isso, talvez, o mal do nosso século serão os discursos de ódio. Essa violência praticada por ambos os lados e estimulada pelo nosso próprio Estado só enfraquece o real motivo das manifestações, que é realmente se manifestar - ter voz e sermos ouvidos. Pessoas que gostariam de estar em manifestações, muitas vezes, não o fazem. Têm medo da violência, uma violência cruel que pode nos cegar, literalmente.

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