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Metalinguagem

Escrever é como uma maldição das mais belas. Morre-se toda vez que se escreve...

Julia Castello Goulart
Publicado em 28/09/2016 às 20:57Atualizado em 16/12/2022 às 02:45
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Escrever é como uma maldição das mais belas. Morre-se toda vez que se escreve, pois algo formado dentro de você, quando passado para um papel, já não mais lhe pertence. Mas ainda bem que existem pessoas, ou melhor, galinhas que botam ovos. Desvencilhar-se do ovo pode ser difícil, mas o se desconhecer, segundo Eliane Brum, é a busca por novas inspirações. Não saber quem você é, te permite olhar para o outro. E é por isso que, escrever é buscar sempre o mistério, aquilo que está invisível aos olhos de Saint Exupéry.

Como disse Manuel de Barros, não devemos levar tudo tão a sério. De ver as coisas, com sua única utilidade. Assim, como não devemos enxergar o ovo de Clarice Lispector, como comida ou o branco como branco. Se escrever fosse tão fácil, com certeza não seria uma arte. A arte de sentir com os olhos, o olfato, o tato, mas transmitir através das palavras. Palavras que podem significar tudo ou nada. Palavras que não precisam fazer sentido, porque saber demais, nos cega, nos impede de buscar mais adiante.

No turbilhão de pessoas, no qual você é só mais um na multidão, é preciso que dentre as Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, exista algo que seja concreto, mesmo que não seja real, como a literatura proporciona. Se o cérebro é a manivela do coração, para José de Alencar, deveríamos sentir muito mais. Mas somos forçados a não sentir, porque o tempo é dinheiro. E com isso, o tempo voa e nos esquecemos de viver sempre o presente, pois vivemos talvez em uma Cidade de Papel de John Green.

Sentimo-nos controlados por tudo e todos, como em 1984 de George Orwell e assim, nos sentimos numa sufocante redoma de vidro de Sylvia Plath. Talvez seja eu a louca, no meio de sãos, mas quem me dirá que sou eu a única alienada em Itaguaí de Machado de Assis? Hoje vemos cada vez mais discursos, mas muito menos ações. Mais diferenças, mais intolerâncias, do que a busca de ser feliz e livre, não impedindo o outro de ser também.

E talvez os mundos mais lúdicos e “irreais” da literatura, como o de Harry Potter, Senhor dos Anéis, Guerra dos Tronos, estejam muito mais próximos do que imaginávamos, da nossa entediante realidade. A literatura é um retrato de todos nós, da nossa história, dos nossos erros e acertos.

Se o escritor é a galinha e, se para Clarice Lispector, o ovo que escolhe a galinha, certamente o escritor está fadado a se sentir livre, por meio da escrita. É como se escrever, fosse o único necessário calmante para lidar com as dores do mundo, como diria Carlos Drummond. A literatura precisa do mundo, pois são das coisas reais que se transformam em ficção. Mais do que isso, o mundo precisa da literatura. Não só para compreendê-lo, mas para deixá-lo humano.

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