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Bibelô

Em janeiro de 1980, pouco tempo depois de eu ter entrado para a Receita Federal...

Márcia Moreno Campos
Publicado em 18/09/2016 às 12:44Atualizado em 16/12/2022 às 17:19
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Em janeiro de 1980, pouco tempo depois de eu ter entrado para a Receita Federal, dei um lance em um consórcio de carro e fui contemplada com um Fusca branco novinho em folha, minha primeira conquista, alegria total. Fiquei tão feliz e encantada com meu carro novo, que cuidava dele com esmero e dedicação, a tal ponto que apelidaram-no de Bibelô. Ficou famoso meu Bibelô entre amigos e familiares.

Em março desse mesmo ano, fui escalada, juntamente com uma colega, para dar palestra e plantão fiscal na cidade de Frutal, a 140km de Uberaba. Época de muita chuva, a estrada era em sua maior parte de terra, decidimos, então, ir de ônibus. Na ocasião, comentei com um amigo, cujo pai era dono da empresa de ônibus que fazia esse percurso, que iríamos viajar pela sua viação. Ele mais que depressa, muito solícito, tirou dois passes da carteira e me entregou, dizendo que seríamos suas convidadas nessa primeira viagem. Uma cortesia, que aceitei agradecida. Na manhã de uma segunda-feira, a palestra já marcada para a noite do mesmo dia, fomos para a rodoviária. Entramos no ônibus às 7h da manhã, após despacharmos nossas bagagens, e escolhemos logo os melhores assentos. Estávamos a conversar, quando duas pessoas se aproximaram, dizendo que aqueles eram os seus lugares. Levantamos e fomos para outros, até sermos novamente importunadas pelo fato de estarmos ocupando assentos que não nos pertenciam. A cena se repetiu reiteradas vezes até o momento em que nos vimos de pé no corredor do ônibus, que nessas alturas já estava em movimento. O cobrador veio ver o que estava acontecendo, e eu, já muito brava, mostrei nossos passes para ele, indignada, e fui informada que teríamos que ter ido antes ao guichê para marcar nossos lugares, pois sem isso os passes não teriam validade. No desespero, sugeri irmos em pé mesmo, ou sentadas no chão, mas nada o convenceu, e ato contínuo mandou parar o ônibus, retirou nossas malas e se foi. Lá ficamos nós, com cara de tacho, sem alternativa, a não ser viajar de carro, ou seja, no meu Bibelô. Coração na mão, pegamos a estrada de terra, com chuva, buracos, barro e tudo que podia para transformar meu carro branquinho em marrom. Por mais devagar que eu fosse, mais sujo ele ficava.

Por fim, vencemos a estrada lamacenta e chegamos a um pequeno trecho de asfalto onde aproveitei para correr um pouco. Minha colega, fumante inveterada, acendeu um cigarro, abriu o vidro e a ventarola (pequena janelinha que os carros antigos tinham para quebrar o vento) e fumou tranquilamente, terminando por jogar a guimba fora, que numa volta elíptica entrou na parte de trás do carro e se alojou no banco traseiro, provocando um furo redondo considerável. Fiquei sem fala. Minha colega tentou acudir o estrago, mas o dano estava irreversivelmente causado. Ela, muito sem graça, disse que preferia ter queimado o carro do presidente da República do que o meu. Mas fazer o quê, já era... Tive que conviver com o furo no banco, até trocar o Bibelô anos depois.

Resolvi contar esse caso e o faço como uma homenagem ao meu querido amigo José Curi Perez, que, ao deixar esse mundo, levou consigo humor, alegria e uma forma elegante de conviver. De onde estiver, há de rir comigo.

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