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O aeroplano

Hontem, quando completei dez anos, consegui uma grande victoria. Presenciei um facto...

Padre Prata
Publicado em 28/08/2016 às 10:46Atualizado em 16/12/2022 às 17:34
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(Respeitando a ortografia da época)         

Hontem, quando completei dez anos, consegui uma grande victoria. Presenciei um facto que me deixou muito feliz. Estava na cidade, em casa de minha avó, quando papae entrou com a noticia: “O aeroplano dos Correios e Telegraphos vae chegar hoje ás treis horas da tarde.” Foi um grande alvoroço. Pela primeira vez eu ia ver um aeroplano. Vesti minha melhor roupa. Minhas irmãs capricharam no rouge, no baton e no pó-de-arroz. Passei vaselina Royal Briar nos cabelos e mamãe me penteou. Era dia de festa. O campo de aviação ficava um pouco longe, não foi fácil ir a pé até lá. Subimos pela rua da Liberdade, atravessamos o pastinho do  Lafayette e logo em seguida a estrada boiadeira. Para cortar caminho entramos pelo campo entre capim gordura, unhas-de-gato e jaraguá. De longe avistamos um monte de pessoas accumuladas ao redor da pista onde desceria o aeroplano. Os homens de chapeu panamá e alguns, mais importantes, de palheta, o que era “très chic”.  Esperamos umas duas horas e, de repente, alguem gritou: “Ahi vem elle”. De facto lá pelos lados dos Lemes, bem longe, avistamos um pontinho vermelho crescendo na medida em que se aproximava. Passou por nós na direcção da chacara do Tonico dos Santos, deu uma virada e começou a perder altura. O “frisson” era indescriptivel. No começo da pista pousou no solo e veiu parar a poucos metros de nós. Soldados da policia impediram que a gente chegasse perto. A gente se comportou direitinho porque todo mundo tinha medo do Delegado de Policia, um tal de Doutor Sacramento que era mau e mandava bater. Desceram dois aviadores, fardados, de luvas, capacetes marrons e uns óculos muito grandes que cobriam a metade do rosto. A banda do Quarto Batalhão de Caçadores do Estado de Minas Geraes iniciou o Hino Nacional. Em seguida, o Dr. Boulanger Pucci proferiu um discurso patriotico em que falou um monte de coisas que não entendi. Guardei apenas uma frase: “ninguem segura esta cidade, a Princesa do Sertão.” Lá estava tambem o Collegio Diocesano com dezenas de alunos de uniforme azul. Tambem elles cantaram, tocaram corneta e tambor.

Terminadas as cantorias, deram licença para que a gente pudesse se aproximar do aeroplano. Elles nos puzeram em fila indiana. Quando cheguei perto, eu quiz passar a mão naquele aeroplano tão bonito, como uma coisa daquelas podia voar tão alto e ainda carregar gente, mas um soldado me puxou para traz. Carrinhos vendiam algodão doce, refrigerante Zizi, Grapette, pipoca e garapa. Como já era tarde, viemos embora.  Na minha cabeça, naquelle dia, tomei a resolução mais importante de minha vida: “Quando eu crescer vou ser aviador.”

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