A voz marcante de Cauby cantava em tom melancólico que ela, algo embriagada, chorou no camarim do cabaré, até sentiu dó de si. Ela, então, por fora olhou-se. Eram duas em um só ser. A externa a se observar e a interna pessoa.
Dó. Não sinta dó de ninguém. Não tenha essa audácia, esse atrevimento, essa arrogância, talvez seja até ignorância. Quem somos para ter a ousadia de ter dó de alguém se nem mesmo temos ciência ou domínio dos males que temos. Ocultos eles podem ser muitos. Caso venha em si um sentimento de dó, que enfrente senti-lo de si mesmo mas, ainda assim, não se deve parar nele, no dó. Tome esse momento de profundeza, à base do precipício, como o primeiro momento de virar de sentido para cima, para vencer sua lástima de dor que gerou o dó de si mesmo. Mas somente de si mesmo pode atrever a sentir dó. Ninguém pode sentir dó de outrem, pois isso seria a augusta falácia de negar o próprio ser. Ninguém tem a pureza capaz para sentir dó de outrem. É a compaixão que abriga o sentimento fraterno de comunhão da dor ou da desgraça alheia, não o dó. Então, sentir dó de alguém é negar essa compaixão, a comunhão, para o conforto de se sentir superior, abrigado de um privilégio divino estático, como que fosse filho mais amado que o irmão.
Entretanto, se enfim chegar a ponto de sentir dó de si, ajoelha, olhe para os céus, volte o pensamento em oração para dento do seu miolo em reflexo. Creia. Recomece. Abra um diálogo tríplice entre você, seu interior e os céus, para que seja esse sentimento a semente do novo alvorecer. Então, aí, levante-se sem dó.
(*) Juiz de Direito
