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Ser romântico é ser eterno

No mês de agosto morreu um admirado advogado, o elogiável e combativo Vicente Gonçalves...

Wagner Dias Ferreira
Publicado em 25/08/2016 às 20:32Atualizado em 16/12/2022 às 17:36
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No mês de agosto morreu um admirado advogado, o elogiável e combativo Vicente Gonçalves. Para muitos, o Vicentão. Com grande história de luta pelos pobres, ele com certeza me ensinou a humildade como técnica de trabalho. No mesmo mês, aliás, na mesma semana, morreu Vander Lee, o poeta romântico.

Certa feita havia um júri a ser realizado na Comarca de Santa Luzia, Minas Gerais, onde a bancada de defesa seria compartilhada por três advogados: eu, o advogado Vicente Gonçalves e um bom amigo que ele sempre chamou de “Quas, quas, quas”, carinhosamente. Quando aguardávamos o início dos debates eu, ansiosamente quase como um aluno no primeiro dia de aula, perguntava ao colega Vicente sobre a tese defensiva, que estava preparada para ser legítima defesa, e como dividiríamos a dissertação de defesa, e o dr. Vicente, humildemente, mas com uma segurança apaixonante disse: “É preciso esperar para ver o que o promotor vai falar”. Esse momento foi há cerca de 10 anos.

No mesmo dia e depois, ao longo do exercício da atividade profissional, ter aprendido a esperar o Ministério Público antes de me armar mostrou-se extremamente importante. Muitas vezes me deparei com situações onde o promotor de Justiça, mesmo sendo parte acusadora, e tendo levado o processo até o plenário do júri, no momento de falar pediu a absolvição do acusado, e em outras tantas vezes pediu uma condenação abdicando de circunstâncias qualificadoras, o que já atendia a principal tese defensiva.

Em outras oportunidades, após ver o promotor de Justiça concluir a exposição de suas razões muitas coisas que ele disse puderam ser usadas contra ele mesmo ou puderam ser invocadas na fala defensiva sem a necessidade de releitura de peças processuais, o que por vezes prejudica a concentração em explicar aos jurados a tese central de defesa. Conviver com Vicente foi aprendizado que permanecerá.

Na mesma semana morreu o cantor e compositor Vander Lee. A obra dele me ganhou com a música Românticos. Nela, ele diz que “românticos são uma espécie em extinção” e que romântico é aquele que pede perdão mesmo quando tem razão.

O Romantismo foi um movimento que afetou a arquitetura, a literatura, a música e as artes em geral, de uma época. Tendo no Brasil elevado nomes como o do poeta Castro Alves, reconhecido por sua obra poética comprometida com transformações na sociedade da época, notadamente pela extinção da escravatura.

Esse tipo de romantismo não se confunde com o pensamento melado de uma relação entre duas pessoas, mas com o comprometimento com uma causa, onde se abdica do próprio ter razão para levar esta causa a uma transformação social. Lembrando que toda transformação social é uma transformação jurídica.

Assim, o romantismo de Vander Lee, que militou para o Movimento Sem Terra, inclusive, uma de suas últimas apresentações foi no Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária, o aproxima de Vicente Gonçalves. Ambos são românticos no sentido de que o compromisso social e político com transformações da sociedade os tornam dignos de ser lembrados e reverenciados, como Grandes Homens Brasileiros e que produziram, por seu simples existir, efeitos permanentes no universo. 

(*) Advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG

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