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Espelho, Espelho meu...

Ela se olha no espelho pela manhã. Jura não saber quem está vendo

Julia Castello Goulart
Publicado em 18/07/2016 às 09:00Atualizado em 16/12/2022 às 02:50
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Ela se olha no espelho pela manhã. Jura não saber quem está vendo. Tira a roupa, se desnuda. Aperta o braço com os dedos, quem sabe estivesse tendo um pesadelo. Ela tem o nariz grande demais, os olhos estão caídos e cansados pela idade. Faz uma careta para se expressar e aparecem marcas na sua pele. Seu olhar se dirige para os seios. São grandes demais, pensou. A barriga flácida e inchada. Prende a respiração e, por um momento, ela parece voltar ao normal.

Mas quando solta a respiração o excesso de pele salta e aperta o que ela está vestindo na parte de baixo. Observa as mãos manchadas pelo sol, ásperas, mesmo lambuzadas de creme. Pensa no cabelo e vacila se volta a encarar ou não o espelho. Sente-se corajosa e fita os cabelos crespos e volumosos. Olha profundamente a íris de seus olhos, pretos como jabuticabas. Ela tem certeza de que está tendo um pesadelo!

Coloca o primeiro vestido que vê e pensa em sair à rua. Mas como? Não pode! Precisa passar maquiagem e se pentear. Pela primeira vez sai sem ter o que fazer e se depara com mulheres iguais. Com mulheres de plástico, com mulheres de cabelos lisos, narizes pequenos e arrebitados, com seios duros e barrigas lisas. Ela pensa em voltar para casa. Imagina que todos estão julgando-a. Olha para baixo e percebe que não fez as unhas dos pés e não está de salto alto.

O que acontece com ela? Aperta seus braços com seus dedos e percebe que ela é feita de carne e osso. Ela não deveria ser uma mulher plastificada... Não queria ser! Sorri para o nada e decide que nunca mais será quem ela tentara ser. Queria parar de comer folhas e às vezes comer um bombom de chocolate. Ela queria parar de sofrer com agulhas, deixar suas marcas, suas manchas, suas imperfeições. Ela sente seus cabelos crespos e escuros alisarem seu rosto sem maquiagem... Livre!

Voltou para casa e fez uma panela de brigadeiro e comeu como se não houvesse amanhã! Pegou uma revista e começou a folhear. Viu as mulheres de plástico e se sentiu vazia. Quem era ela? Rasgou a revista em pequenos pedaços... Louca por não ser como aquelas mulheres. Silêncio. Vazio. Raiva. Dos picados de papel sobrou o rosto de uma mulher de plástico. E foi esse rosto que ela colou no seu espelho, pois agora era aquela mulher que ela queria ser...

Julia Castello Goulart

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