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Coração de criança

Estacionei na rua José de Alencar. Logo se aproximou de mim um guardinha. Um não...

Padre Prata
Publicado em 29/05/2016 às 17:24Atualizado em 16/12/2022 às 18:42
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Estacionei na rua José de Alencar. Logo se aproximou de mim um guardinha. Um não, uma. Gordinha, “da cor do azeviche”, uma carinha redonda e olhos tristes. Doze anos? Quinze? “Meu bem, você é muito novinha para ficar aqui nesse sol quente”. Ela baixou os olhos, entregou-me a papeleta e o preç um real. Como não tinha troco, dei-lhe uns caraminguás a mais: “É para você comprar um sorvete”. Ela olhou-me com doçura e pediu: “Moço, o senhor que ser meu avô?”. Perguntei, surpres “Não estou entendendo”. E ela: “É porque só tenho mãe. Meu pai bebia muito e largou ela”. “Mas como posso ser seu avô?” Explicou, como se fosse uma súplica: “Eu moro lá no Residencial 2. De vez em quando o senhor vai lá me ver e ver minha mãe, ela faz café pro senhor”.

A professora propôs aos alunos (turma de 5 e 6 anos): “Vocês agora vão me dizer, um de cada vez, de que é que vocês têm mais medo.” As respostas foram as mais variadas: de palhaço, de sapo, de aranha, de monstro, de lobisomem e assim por diante. Só faltava um para responder. Estava calado, de cabeça baixa. “E você, aí, tão quietinho, de que você tem mais medo?”. A resposta veio bem baixinha: “Eu tenho medo é do Malamém”.        A professora: “Não entendi, filho, você pode me explicar?”. Olhando para os lados, veio a explicaçã “Todas as noites a mamãe me chama para rezar. Tem uma hora, quando ela reza o Pai Nosso, que ela diz: “Mas livrai-nos do Malamém. Eu tenho medo dele aparecer pra mim”. Na ocasião, eu era pároco da Catedral. Numa das laterais da Igreja, havia um imensa imagem do Arcanjo Gabriel (não sei se ainda está lá, é horrorosa). O Grande Mensageiro, munido de uma lança enorme, sangrava um demônio sobre o qual pisava.

Ao passar por perto, alguém me chamou. Era uma criança de uns oito anos, se tanto. Apontou para a imagem e perguntou: “Moço, por que esse homem vestido de borboleta está enfiando essa vara nesse homem de chifre?”. Pego assim de surpresa, nem sei mais o que respondi. Como explicar que um era um anjo e o outro era o demônio? Aquela criança era incapaz de entender uma linguagem simbólica, muito menos um mito. Se tentei explicar, aquela criança não deve ter entendido nada. Agora você entende por que Jesus tenha dito que só aqueles “que têm coração de criança entrarão no Reino de Deus”?

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