ARTICULISTAS

Viagem no tempo – Final

Uma casa singela em um terreno enorme. Quando somos crianças, tudo parece maior...

Fernando Hueb de Menezes
Publicado em 05/05/2016 às 19:58Atualizado em 16/12/2022 às 19:02
Compartilhar

Uma casa singela em um terreno enorme. Quando somos crianças, tudo parece maior. Os quartos e banheiros separados por paredes estreitas, que não chegavam até o teto. Casa sem forro. Qualquer ruído de um aposento podia ser ouvido no outro. Em cada um dos oito quartos, duas camas e uma rede. Nela passei boas noites de sono. Lembro-me que, na primeira noite, aquele mesmo irmão que havia se sentido mal na viagem precisou ir ao banheiro. Logo o odor ultrapassou as fronteiras do cômodo e, do outro lado, podíamos ouvir o cochicho de um casal de primos com as filhas: “Querida, vai dar uma olhada nas crianças, uma delas deve estar passando mal”. E meu irmão, sorrateiramente, concluiu o processo e silenciosamente voltou para a cama.

Acordei cedo no outro dia. Estava ansioso para conhecer tudo. A casa, a cidade e meus primos, com quem até então não havia tido contato. Senti um cheiro muito bom de comida. Eu era gordinho e muito guloso e logo fui à cozinha para bisbilhotar, quando vi uma mesa enorme, numa cozinha imensa, com uma variedade de pratos sem explicação para um café da manhã. Cuscuz, ovos fritos, carne moída, feijão verde, tapioca, vários tipos de pães, queijos, frutas, bolos e outras guloseimas. Assustado, corri no quarto para alertar: “Mãe, já estão servindo o almoço! Ela me explicou que no Nordeste era normal um café reforçado. Me deleitava todas as manhãs com a saborosa primeira refeição do Piauí.

As outras refeições também, muito fartas. Eram acrescentadas ao cardápio buchada de bode e carne de sol. Um descanso na rede após o almoço e, mais à tardezinha, todos colocavam cadeiras na calçada e, enquanto brincávamos no beco que havia em frente, a prosa dos adultos ia até a noite. A cada dia novas experiências. Passeio na sorveteria em frente à praça; ida ao clube do Seis (ficava a seis quilômetros da cidade); churrascos no quintal; visitas às casas das Tias (eram dez irmãs e um irmão) e muitas outras atividades, que tornavam o dia curto. Ali passamos bons momentos.

A viagem de volta era nova aventura. Além das malas, acrescentávamos na bagagem carne de sol (com aquele cheiro insuportável) e várias latas de frito (Frango frito com farofa) para lancharmos no caminho. Mais dois dias de viagem. Passamos novamente pelas mesmas estradas, atravessamos novamente os riachos, atolamos, dormimos em hospedagens em beira de estrada, mas tudo valeu a pena. Hoje guardo essas lembranças com muito carinho e nostalgia. Sinto saudade daquele tempo em que para as famílias era suficiente estar em família, independente do lugar e das dificuldades. Sou muito grato a Deus por ter vivido tudo isso. 

(*) Professor e pesquisador da Universidade de Uberaba; chefe de Gabinete da Prefeitura de Uberaba

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por