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Retorno à infância

No tempo em que estive inconsciente numa cama fria de hospital, alguma coisa...

Padre Prata
Publicado em 01/05/2016 às 12:31Atualizado em 16/12/2022 às 02:57
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No tempo em que estive inconsciente numa cama fria de hospital, alguma coisa deve ter sido mudada dentro de mim. Dois assuntos me atraíam nos jornais: a política e o futebol. Quando se me abriram os olhos da realidade, todo aquele centro de atenção perdeu seu interesse. Não vi mais sentido em ler assuntos relativos à política. Era um amontoado de mentira, corrupção, trapaças, roubos. Doeu-me pensar que todas aquelas pessoas fossem os meus representantes, os defensores de meus direitos. É neles que eu devia confiar?

E agora? Escrever sobre o quê? Ligando a TV, a primeira cena que explodiu na tela foi um grupo de crianças brincando numa praia imensa. Lembrei-me de uma palavra de Jesus: “Quem não se fizer como crianças não entrará no Reino dos Céus”. Se não me engano, Tagore refletia sobre isso. Abri meus arquivos. Lá estava o poeta, o grande poeta hindu, dando-me a resposta ao meu problema: “Na praia dos mundos sem fim as crianças se reúnem. O céu infinito paira sobre suas cabeças. Elas constroem suas casas com areia e brincam com as conchas vazias. Com folhas secas fazem seus barcos e, sorrindo, colocam-nos a flutuar na vastidão profunda. As crianças brincam na praia dos mundos. Elas não sabem lançar as redes. Os pescadores de pérolas mergulham em busca de pérolas. Os pescadores de pérolas velejam em seus navios, enquanto as crianças apanham pedrinhas e as atiram ao mar. Elas não procuram tesouros escondidos, nem sabem lançar as redes. O mar se encapela, e a praia, gargalhando, brilha, pálida e sorridente. As ondas cantam baladas sem nexos para as crianças como a mãe embala o filhinho no berço. Na praia dos mundos sem fim as crianças brincam. A tempestade ronda pelo céu sem caminhos, os navios naufragam no mar sem rotas, a morte está à solta e as crianças brincam”. O poema procura revelar um sentido oculto. Pense.

Voltar à infância não significa tornar-se infantil. Significa apenas ter saudade de um mundo já vivido. É bem mais profundo. Voltar à infância significa mudar o que há de mais profundo dentro de nós. Mudar o coração e a mente. Arrancar a malícia e a maldade que povoam nosso coração. Restaurar a inocência perdida. É pena que muita gente confunda infância com infantilidade. Quer um exemplo de infantilidade? Há pouco, na Câmara, dezenas de representantes nossos refletiam o mesmo chavã “Aqui estou em defesa de minha família, de meus filhos, de meus pais. Por isso voto sim”. E, no mais, viva o Brasil!

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