Tantos tangos, tantos boleros, tantas odes. Todos alimentados pelo fogo, pela dor, pela emoção da paixão. Às vezes, dela narram a euforia; outrora, a sua dor, o sangue, ou a demência pela perda de uma paixão. Álcool, cigarro, oração! Platão avisara, mas foi em vão. Há paixão no lençol de cetim, na esteira, no chão, na torre ou no porão. Paixão vem ousada e invade. Combina com a noite com as sombras, pois inebria a visão. Paixão da arritmia, sem medidas, que altera o bater do coração. Paixão que é sem razão, sem lógica, sem limites, sem licença, sem
ocasião. Atrevida, forte, incoerente, penetra sem permitir plena noção.
Importante, nem sempre se torna amor, mas amor de fato não existe sem a preliminar paixão. É ela o fermento da pinga, da aguardente de tanta ocasião, é o gole a mais, é a embriaguez, é a ressaca, depois daquele torpor, da insensatez da empolgação. Pobre vida que não conhece uma paixão. Como gás que se espalha por todo espaço ou ocasião, convive também com o ódio, com o insano perdão, com lágrimas, tremores, ri do amor e ignora a dor. Tem um cinismo de ser, brinca com todos que dela não conseguem transformar em amor. Abusada, ora provoca inveja, ora causa remorso, humilhação, mas promove interiormente a mais forte emoção.
Paixão que dá luz à vida, também leva ao caixão. Paixão que se mostra à vista ou às escondidas velada no coração. Não é em vão que há tantos olhares perdidos nos cantos, em bares, relentos. Dela nascem olhares oblíquos e olhos de ressaca tais como de Capitu. Ao infinito vão esses olhares em devaneio a sofrer pela ironia das nuances mesmo da mais fugaz paixão e faz ofegante a respiração.
Mas é certo, há de se ter coragem, pois não se vive de verdade sem dessa taça provar. Da taça da paixão.
(*) Juiz de Direito
