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A borboleta azul

Estava à espreita para matá-la, a pobre borboleta preta. No entanto, lembrei-me...

Julia Castello Goulart
Publicado em 10/04/2016 às 12:44Atualizado em 16/12/2022 às 02:59
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Estava à espreita para matá-la, a pobre borboleta preta. No entanto, lembrei-me rapidamente do querido Brás*, em suas memórias, quando ele mata a borboleta preta e pensa: eu a mataria se fosse azul? Uma crítica tão implícita e irônica (ironia: qualidade que o fez ser brilhante, mas não a única) que, para leitores desatentos, ela pode passar despercebida. Machado critica o racismo tão presente em sua época e tão atual na nossa. O racismo tenta ser discutido, tenta ser reprimido... Contudo, numa sociedade que esconde seus preconceitos, é difícil desmascarar quem diz não ser racista e resiste aceitar o preconceito e querer realmente mudar. É engraçado se você pergunta para alguém a seu lado se ele é racista, ele rapidamente fala que não. Mas, se você pergunta se ele já ouviu ou viu alguma atitude racista, ele nem hesita em responder que sim.

Se nenhum brasileiro é racista, como muitos dizem não ser, onde estão aqueles que não se importam com o pequeno número de negros na Universidade? Ou aqueles que praticam o preconceito em relação ao cabelo, a situação financeira, espalhando bombas de ódio que circulam pela internet? Em 2013, uma rainha da “Globoleza” Nayara Justino foi substituída por ser “muito negra”. E quase nenhuma mídia evidenciou, denunciou. Fica a pergunta do real papel da mídia brasileira, que não faz uma autocrítica para não “queimar seu filme”.

O Brasil é considerado um país miscigenado, onde convivemos muito bem com as diferenças étnicas, religiosas, culturais. Posamos que somos um país diversificado, que nos sentimos “um”. O pior que não somos. Vivenciamos, a cada dia, agressões físicas, morais, nas redes sociais, nos ambientes públicos até mesmo dentro das nossas próprias casas. E não! Não pensamos nunca como cada vez mais as rainhas de bateria são brancas e loiras com corpos artificiais, que tentamos padronizar, igualar, quando, na verdade, combater o racismo deveria ser enaltecer e respeitar as diferenças. Porque elas sim são reais e parte da diversidade de uma sociedade.

No fim, desisti de matar a borboleta! No dia seguinte, acordei com uma pergunta na cabeça e a fiz para as pessoas a minha volta, que talvez não entendessem a importância de pensar, de se expor, de querer mudar. Porque realmente esperamos um mundo melhor, menos racista, mas, muitas vezes, não fazemos nada quando presenciamos atitudes racistas, ou quando somos agredidos ou somos nós os agressores. E você, leitor, mataria a borboleta se ela fosse azul?

*Brás: Brás Cubas, personagem de Machado de Assis

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