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Tempo das águas

Janeiro chegou com muita chuva. São as águas que vão fazer transbordar os córregos...

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 20/01/2016 às 20:19Atualizado em 16/12/2022 às 20:25
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Janeiro chegou com muita chuva. São as águas que vão fazer transbordar os córregos, encher os lagos e encharcar o solo.  A vegetação agradece, as folhas ficam bem verdes, os brotos crescem. Para alguns, as chuvas representam transtornos, e, se existem culpados, e certamente há, estão entre os que eliminam matas nativas e cortam árvores centenárias, entre os que impermeabilizam o solo, entre os que expulsam os mais frágeis para as várzeas e encostas que nunca poderiam ter sido ocupadas. Para outros, as chuvas garantem bons negócios, bons lucros, inclusive com as tragédias humanas e sociais, e uma boa safra, nem que seja para os vendedores de guarda-chuvas nas esquinas das grandes cidades, onde a pressa nos traz a lembrança do guarda-chuva só na hora em que o aguaceiro despenca.

A chuva é boa conselheira, ela permite soltar a imaginação naquelas horas em que se pode observá-la sob uma varanda, gotejando sem parar. Ela nos dá um tempo para reflexão, para pensar na estiagem, o que muitos só vão fazer quando vier o tempo seco, quando escassearem as águas e o nível dos reservatórios baixar a ponto de termos de ouvir velhas ladainhas. O momento é oportuno para se planejar o próximo lance, pois a seca virá, por mais que a alguns pareça que o mundo vai derreter devido à umidade. Um dia, lá para meados de março, a chuva cessa e sentiremos sua falta.

Com as mãos fechadas, em concha, conseguimos segurar, por um breve instante, um tanto bom de água. Um tanto que nos permite lavar o rosto e aliviar o calor, afastar a canseira. Mas ela nos escapa por entre os dedos e, se queremos mais, temos de repetir o gesto ou usar um recipiente adequado, um copo, uma bacia, um balde. Até as crianças sabem disso. Alguns gestores, entretanto, se esquecem, ou nunca foram crianças, têm memória curta ou outras preocupações e interesses na cabeça. Entra ano e sai ano e as comunidades deparam-se com os mesmos dilemas e as soluções paliativas do período da estiagem. Aí dá uma saudade da chuva! A gente olha para o céu e suspira, qualquer sinal vira uma esperança. E se existisse uma reserva? E se não tivessem desmatado? E se tivessem sido preservadas as nascentes?

A hora certa de se preocupar com a falta d’água é agora e sempre. É preciso aprender com as chuvas, observar seu percurso, entender sua instabilidade e as surpresas de seu ciclo. A mágica da natureza é sua beleza, é sua diversidade, é o deslumbramento de cada época. As sociedades se guiam por outras determinações, por imprevistos calculados, pela escassez planejada, por tragédias anunciadas e por vantagens direcionadas. A impressão que fica é que chove quando e onde não deve e não chove onde seria preciso. Os princípios da natureza são peculiares, formidáveis; a lógica da história social é outra.

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