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A água vai acabar! (Será mesmo?)

A afirmação do título aí acima pode até se tornar verdadeira, mas se isso ocorrer vai ser daqui a muitos milhões de anos

Jose Noel Prata
Publicado em 28/12/2015 às 09:16Atualizado em 16/12/2022 às 20:43
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A água vai acabar! (Será mesmo?)

A afirmação do título aí acima pode até se tornar verdadeira, mas se isso ocorrer vai ser daqui a muitos milhões de anos. Dois terços da superfície do Planeta são cobertos por água desde que o mundo é mundo e a Região Sudeste do Brasil é contemplada com precipitação média anual acima de 1400 mm. Logo, não é justo dizer que falta água. Entretanto, estamos vivendo uma crise hídrica! Isso é inegável. Então, o que está errado? Posso afirmar, sem medo de errar, que muita coisa está errada! Se for fazer uma lista, ela vai ser longa e certamente incomodará muita gente. Principalmente quando disser que a causa principal está na má gestão. Quando digo má gestão, não estou apenas criticando o governo. Estou me referindo à gestão que todos fazemos da água. Isso inclui desde as pequenas ações do dia a dia, como deixar uma torneira aberta sem necessidade, os vazamentos, a condenável vassoura hidráulica, os grandes desperdícios na indústria e na agricultura, até a atuação do governo.

Parafraseando uma antiga cançã o homem chega, modifica a natureza, constrói dique, faz represa, desmata, altera e compacta o solo – elimina as condições mínimas de que a água necessita para permanecer em uma região. - Resultad Ela migra! Migrando a água falta no lugar de onde sai e, certamente, causa danos no lugar para onde vai.

Temos de assumir nossa responsabilidade e parar de fazer de conta que estamos fazendo tudo que podemos para resolver a questão. Eu tenho uma forte ligação com o Cerrado há bem mais de meio século. Pesquei e tomei banho em muitos cursos de água que não existem mais. Assisti, de perto, as mudanças que ocorreram aqui durante os últimos cinquenta anos. Vi chegarem os primeiros tratores, o adubo e a novidade do calcário que mudou definitivamente o destino destas terras, antes desvalorizadas e tidas como fracas e improdutivas. A vegetação nativa do Cerrado era composta de plantas extremamente adaptadas ao longo de milhões de anos. Plantas de raízes profundas que funcionavam como um canal de duas vias: na abundância conduziam a água para o subsolo e na escassez a traziam de volta, para alimentar a planta, sempre levando mais água para o subsolo do que retirando. Isso gerava uma equação positiva que resultava em fartura de veredas e nascentes. E o que fizemos? Eliminamos milhões de hectares dessas plantas, substituindo-as por plantas de raízes curtas (milho, cana, soja etc.) e ainda alteramos a acidez (PH) e a fertilidade do solo.

O solo do Cerrado possui a característica de se autocompactar e se impermeabilizar quando exposto ao Sol o que impossibilita a infiltração e, consequentemente, provoca a morte de veredas, nascentes e pequenos cursos d'água. O que já começa a afetar os grandes rios. Por falar em veredas, existe uma interdependência entre a água e o buriti. Um não se mantém sem o outro. Parece fácil revitalizar uma vereda: basta plantar o buriti para a água voltar. Contudo não é bem assim. O buriti pode levar até quinhentos anos para atingir a altura adulta de vinte e cinco metros. Então, vamos esperar?

Claro que não sou contra a exploração do Cerrado. Afinal o mundo precisa de energia e alimentos, mas precisa também de água! Quando digo que temos de assumir responsabilidade, estou dizendo que devemos minimizar os efeitos da ocupação. Voltar a ser como antes é impossível. A alteração da fertilidade e da acidez do solo impede o retorno das plantas originais. Contudo, a tecnologia nos permite amenizar os efeitos da exploração desenfreada e depredatória que praticamos. Todavia, isso custa caro e demora! Se todos usufruíram dos benefícios proporcionados pelos produtos da agricultura e da pecuária, me parece justo dividir o ônus da recuperação.

Engana-se quem acredita que cercar e proteger cem metros em torno de uma nascente resolve o problema da falta de água. Claro que isso é importante, contudo a ação de cercar protege apenas o estado físico da nascente, não o volume de água que brota dela! Para proteger o volume de água temos de pensar mais longe, em alguns casos a quilômetros de distância. Estou falando das áreas de recarga. Estas sim repõem as águas subterrâneas e, por consequência, mantém o volume das nascentes.

Economizar e racionalizar o uso da água é bom e necessário, mas só isso não basta. Temos de racionalizar, também, o uso do solo e assim criar condição para o retorno da água. É possível compatibilizar a produção de alimentos e de energia com a conservação de água. Para isso não é necessário inventar nada, basta disciplinarmos o uso do solo e utilizar técnicas conhecidas do homem a séculos. Tais técnicas já eram utilizadas em várias partes do Globo, inclusive nas Américas, quando portugueses e espanhóis chegaram aqui: O plantio direto e em nível e, principalmente, o terraceamento. Fazer terraços devia ser programa de governo, da mesma forma que se constrói os bolsões, de eficiência discutível, às margens das estradas rurais. Como disse, conciliar produção e conservação de água é caro e demorado, mas o estrago está feito! Portanto, não nos restam muitas opções: começamos a corrigir nossos erros agora ou vamos pagar ainda mais!

Jose Noel Prata- é proprietário da RPPN Vale Encantado. Primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural de Uberaba,

criada em 14 de maio de 2004.

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