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Bricabraque

Com voz amena, ritmo pausado e linearidade sem monotonia. Assim se comunicava...

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 08/12/2015 às 08:21Atualizado em 16/12/2022 às 20:58
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Com voz amena, ritmo pausado e linearidade sem monotonia. Assim se comunicava com a impecável fleuma de quem tem no seu ofício mais do que uma rotineira tarefa. Trazia para a jornada diária toda a bagagem adquirida ao longo de sua trajetória que lhe conferia admiração, notoriedade e classe. Notava-se a agradável preocupação de tudo estar na medida certa, sem arroubos e com a recomendada educação que hoje pouco se preza. Refinamento sem petulância que só é percebido graças à sutileza de detalhes preservados pelo compromisso com a origem das coisas para ter sempre à volta e à mão o fio da meada. Determinados ofícios não podem prescindir de requisitos que acabam fazendo a diferença e dão sentido à sua existência. Logrei conhecer em uma viagem, a despeito de boa curiosidade, um vendedor de bricabraque em seu armazém. São para ele as referências e deferências que faço. De tal forma fui atraído por sua desenvoltura e conhecimento acerca de tudo que comercializava e mais e mais mergulhava em suas explicações a respeito de cada objeto que fazia parte do seu estoque altamente diversificado. Do lenço bordado com as insígnias de uma tradicional família que outrora reverenciada por pompas e posses à hoje decadente geração, da porcelana chinesa restaurada com menções da dinastia a que fora talhada, de flores ornamentais de gosto duvidoso, do realejo esquecido, da ampulheta que comparava à silhueta feminina, do relógio de bolso Patek Philippe, da escrivaninha rococó, da cadeira de balanço de madeira e palha, da estante de livros com portas de correr com cheiro de naftalina, enfim toda peça merecia a descrição detalhada, apurada e precisa de sua origem, significado e percurso até chegar ao bricabraque. Em especial chamou-me atenção uma bússola que não ficava muito à mostra, era preciso percorrer bem o local atento às explanações com os ouvidos dissociados da visão para poder perceber a dimensão de tudo que ali representava em termos de ajuntamento de vidas, histórias, povos e gerações, um verdadeiro mosaico de encontros jamais imaginados. Pedi para que me narrasse um pouco sobre a bússola e o custo. Disse-me que essa bússola, pelo que sabia, foi utilizada por Cabral ao singrar o Oceano e dar em nossas costas. Portanto, não tinha preço e não estava à venda. E arrematou, bússola não se vende, não se permuta e não se barganha, não se empresta. Bússola se encontra.

(*) Luiz Cláudio dos Reis Campos

Engenheiro

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