Muitas vezes as coisas são tão simples e singelas que há dificuldade em compreendê-las. Busca-se uma complexidade dispensável, como se tudo que seja importante tenha que assim ser. Avalie-se a água em sua pureza e simplicidade. Mesmo assim é ingrediente essencial para a vida. É lição divina.
A propósito. Certa feita, estava um juiz numa pequena comarca do interior das Minas Gerais, quando surge formalizado diante de si um pedido de autorização para o casamento de uma menina de doze anos com um rapaz de vinte e um. O pedido veio aviado com um atestado do médico e exame dando conta da gravidez da menina, bem como que ela fisicamente estava apta a suportar os ônus do matrimônio, sob o ponto de vista biológico. Longe aquele tempo, ainda não existiam instituídos os Conselhos Tutelares. Ouvido o nobre promotor, perplexo, pediu audiência.
Apurou-se que o pretendente ao casamento era vaqueiro, tinha casa de morada no serviço, era dado ao trabalho, era honesto, de boa família, dedicado à nubente e com ficha limpa judicial, social e moral. A mãe da menina, que era viúva do pai dela, mostrava-se totalmente favorável e interessada na consumação legal do casamento.
Manifestou-se firme o tenaz promotor, homem experiente e dedicado, contra o deferimento do ato. Mais perplexo estava o juiz, que, além de tudo, tinha que decidir. Mas a situação parecia-lhe ainda algo obscura para o deslinde. E o tempo urgia, especialmente considerando a gravidez. Foi quando de seu “trono” resolveu buscar socorro pela humildade de ouvir a principal interessada, a menina. Então, questionou a ela por que a Justiça deveria, na visão dela, deferir o casamento praticamente de uma criança. E com a simplicidade da água pura ela respondeu: “– Dr. nóis veio aqui para tentar fazer a coisa certa. Se ocês deixá, nóis faz, se ocês não deixá, nóis junta!”. E na sua pueril inocência de menina humilde, ainda balançou os ombros naquele solene ambiente do salão de audiências e júris dali.
Foi como clarear o dia para o juiz. Lá do alto do seu “trono”, ocorreu-lhe que já existia o divórcio, que o fato já estava consumado, que a menina mãe ganharia um marido, que o feto ganharia um pai inquestionável e que eles teriam lar. Ainda, que eventualmente teriam pensão. Melhor seria então legalizar que abandonar menina e feto ao acaso dos fatos.
O juiz retornou para casa surpreso com o desfecho, mas entendendo que sempre se aprende, com quem quer que seja. Não se pode deixar imperar o orgulho que cega. A humildade há que vigorar. Na simplicidade está a essência. O insigne promotor compreendeu, não recorreu.
Soube-se depois que, felizmente, construíram um harmonioso e consistente lar.