ARTICULISTAS

Existo? Ou não existo?

Ele está com um pé aqui e o outro muito longe daqui. Sabiam? Quem não sabia...

João Eurípedes Sabino
Publicado em 20/11/2015 às 21:08Atualizado em 16/12/2022 às 21:14
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“Ele está com um pé aqui e o outro muito longe daqui. Sabiam? Quem não sabia, que fique sabendo agora. Ele tem planos de ir trabalhar na construção de uma barragem lá no rio Xingu.” Com estas palavras parei há cinco anos o livro “Existo? Ou não existo?” para escrever “Zote que eu vi”.

O personagem central, Nonato, parte de sua terra natal para trabalhar na construção de uma gigantesca hidrelétrica. Com o reservatório hidráulico cheio e a inauguração da usina já marcada, o colossal paredão de concreto apresenta um vazamento. Nonato foi um dos 200 trabalhadores escalados para fazer a reparação e aí ocorre o pior; a barragem se rompe e todos são levados pelas águas. Cidades situadas a jusante foram inundadas. É o começo do drama.

Nonato, que morreu (?) ou não morreu (?), acabou dado como desaparecido. Posso afiançar que a condição de vivo/morto é a pior para um ser humano. Morrer e ser sepultado não é tão ruim, porque a falta de um endereço gera cruéis incertezas e vazio sem fim.

Familiares do deputado Ulysses Guimarães, vítima de acidente aéreo no mar de Angra dos Reis no dia 12 de outubro de 1992, passados vinte e três anos, ainda amargam a dor da espera que nunca termina.

Tenho reservas quanto ao que chamamos de coincidência. O fato do distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), ter sido destruído pela barragem de rejeitos metálicos da empresa Samarco, logo agora, me fez reportar a tudo o que escrevi. Há quatro anos ouvi colegas especialistas em barragens e um deles, vaticinando, previu que teríamos tétricas surpresas com barragens nos próximos anos. Acertou em cheio.

Não me agrada ter tanto material de pesquisa à distância da mão. A maior tragédia ecológica (anunciada!) de nossa história e do mundo será uma enciclopédia. Enquanto me fluíam estas linhas, o programa CQC mostrava imagens estarrecedoras. O repórter Juliano Dip sofreu todo tipo de cerceamento no exercício da profissão. Boris Casoy foi enfátic “Isso é uma vergonha!”. O que se pode esperar de quatro fiscais para 735 barragens!

O meu desaparecido Nonato terá o campo propício para “ressurgir” vivo ou morto, num país onde só trancamos a porta depois de arrombada. Agora começo a entender por que a maioria dos entrevistados na TV não fixa os seus olhos na objetiva da câmera. Observe, leitor(a).

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