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Alto nível

Assim um tanto ansioso e aflito partia Expedito. Ia longe subindo passo a passo a ladeira...

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 29/09/2015 às 20:20Atualizado em 16/12/2022 às 22:04
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Assim um tanto ansioso e aflito partia Expedito. Ia longe subindo passo a passo a ladeira íngreme que na verdade era um intenso escalar. Subia mudo a montanha, pensativo e observador. Conhecia milimetricamente cada curva, atalho, pirambeira, vales e rios que compunham o cenário de sua peregrinação. Tinha uma promessa que não revelava a ninguém, mas que cumpria todo dia. Não conversava durante o trajeto, nem também no sopé da cordilheira ouvia sua voz. De primeira vista, quem o encontrava o dava como mudo. Não conversava, não comentava, nem mesmo quando se dirigia palavra a ele. Quem com ele convivia sabia que não adiantava, ele não falava, tinha essa mania. Intrigava muita gente, porque no vilarejo que habitava muito se conversava, mas Expedito era como se fosse o dito pelo não dito. Nem um dedo de prosa. Toda manhã era a mesma rotina. Arrumava a mochila, água e rapadura. Morro acima seguia sua sina, com quase meia manhã de percurso. Ele gostava daquilo porque sabia que despertava muita curiosidade. O que será que Expedito fazia todo dia quando chegava ao topo da montanha? Algo estranho, esquisito, sabia-se lá. Mas dificilmente se descobriria pela vontade dele. Guardava a sete chaves, pois não falava nenhuma palavra. O certo é que mudo ele não era. Conversava e muito com todos. O que se comenta é que em um determinado momento quando de uma discussão interminável e um bate-boca que se envolveu de tamanha baixaria, nunca mais dirigiu palavra a ninguém, pelo menos de onde morava. Não admitia que o seguissem e conhecia mais que todos, todos os caminhos. Quando percebia que algum curioso o seguia, logo despistava e desaparecia do alcance. Como tinha habilidade e coragem suficiente, chegava a um local de difícil acesso e inexplorado pelos demais. Orgulhava-se de ser o único a atingir o ponto máximo, o ápice da montanha. Quando um belo dia, para surpresa de todos, revelou sua promessa. Com tristeza e agonia, chorando pronunciou poucas palavras: “Todo dia, para meu contentamento e alegria, subia a montanha para no seu ponto máximo encontrar alguém que agora partiu. Mantinha diariamente um diálogo em alto nível. Sempre valeu o esforço. Aprendi que os caminhos do diálogo salutar e proveitoso sempre estão colocados no mais alto patamar e para atingi-los é necessário paciência, persistência e conhecimento pela experiência das pontes, dos atalhos, da melhor chegada. Agora que sabem de meu segredo e promessa, convoco quem quiser arriscar uma subida para uma prosa em alto nível”.

(*) Engenheiro

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