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Saudade

Se insistes em saber o que é saudade..., basta viver. Apesar de não me considerar...

Márcia Moreno Campos
Publicado em 20/09/2015 às 13:02Atualizado em 16/12/2022 às 22:12
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 “Se insistes em saber o que é saudade...”, basta viver. Apesar de não me considerar uma pessoa saudosista, de adorar novidades e me dar bem com as tecnologias modernas, como navegar na Internet sem medo, e participar de redes sociais, me pego de vez em quando recordando de coisas do passado das quais sinto falta.

Tenho saudade do tempo em que eu convidava amigos de fora para virem me visitar em Uberaba e tinha orgulho de mostrar a eles minha cidade. Caminhava pelo centro, junto ao Córrego das Lajes, que cortava a Avenida Leopoldino de Oliveira bem no meio, e que mesmo assim não impedia o fluxo de carros que por ali passava, e nem a paquera dos moços que esperavam a saída do cinema. Minha cidade era limpa, charmosa, acolhedora. Acreditem, não existia esse interminável e indigesto Projeto Água Viva, nem BRT, e as ruas, embora de paralelepípedos, nos permitiam andar sem cair em buracos e nem ter que parar toda hora em lombadas traiçoeiras. O trânsito era manso, guardado na memória, sem que precisássemos fazer um mapa mental antes de sair de casa. Sinto falta de ir visitar meus avós na Rua Padre Zeferino à noite, e encontrá-los conversando com vizinhos sentados em cadeiras na calçada, e em segurança. As portas das casas ficavam destrancadas, enquanto eles “tomavam a fresca” e colocavam a prosa em dia. Nessa época, os comerciantes de rua eram respeitados e valorizados como os verdadeiros artífices do progresso.

Tenho saudade de quando eu tinha orgulho do meu país, e fazia parte de um povo com consciência cívica que vestia verde e amarelo de coração. Eu sempre soube de cor o nome de todos os ministros de Estado e fui com o meu pai, quando eu era criança, ver o ouro que o povo doou para o bem do Brasil, e que antes de embarcar para São Paulo ficou depositado na Agência Central dos Correios (só tinha essa). Hoje quem se habilita a decorar o nome de 39 ministros que não resistem ao próximo escândalo? E quem ainda se engana que doando alguma coisa para o país o salvará de rebaixamentos e penúrias? O tempo da ingenuidade ficou na memória, sobreposto por tanta corrupção. Lembro-me da importância da Infraero que sempre foi uma empresa rica e administrada pelas melhores cabeças do país. E hoje? Deficitária e vendendo seus ativos. Tenho saudade de viajar de ônibus, levando de lanche pão com tomate, preparado pela minha avó, que ficava tranquila, sabendo que eu chegaria ao destino sem ser assaltada. Muita saudade daquele tempo da confiança no outro, do fio de barba como garantia de pagamento, de definições claras em que bandido era bandido e o mocinho sempre vencia no final.

Mesmo assim, permitindo-me esse rasgo de nostalgia, continuo sendo uma eterna sonhadora, e não abro mão da esperança e da fé nos valores de antigamente que podem muito bem conviver de forma pacífica com os avanços dos dias de hoje. Basta querer.

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