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Um buraco no coração

Havia realmente um buraco de 18mm no meu coração. Os médicos disseram...

Marília Andrade Montes Cordeiro
Publicado em 12/09/2015 às 19:23Atualizado em 16/12/2022 às 22:20
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Havia realmente um buraco de 18mm no meu coração. Os médicos disseram que era congênito. Uma tal de CIA – comunicação inter-atrial, mas eu, que de médica e louca tenho muito, acho que foram as balas que não saíram da roleta russa daquele fatídico assalto, três anos atrás, que alargaram o rombo.

“Anamnésia” – em fevereiro deste ano comecei a ter um cansaço surreal.

Dos amigos, de viagens, da família, de tudo.

Depressão... diagnostiquei.

Sessentinha, perdas, mudanças, frustrações! 

A luz que brilha no infinito começou até a ficar atraente.

Percebi que a maturidade dá intensidade a sensações e desejos.

– “Marquinhos, se um de nós tiver que partir antes, prefiro que seja eu. Você vai fazer muita falta para as meninas e eu não vou conseguir ampará-las sem você por perto”.

Isso tudo se passou antes do diagnóstico oficial.

Quando o médico disse: “Você vai ter que colocar uma prótese no coração”, entrei em pânico contido, pois raramente perco o controle.

Confesso, quase morri de medo! Mexer no que não está dando problema, apenas um cansaço diferente?

– “Sim, mas pode dar! E se der, vai ficar muito ruim!”

Faz... não faz, penso... não penso, morro... não morro.

Melhor ter um particular com ELE.

– “Bom Deus, sabe aquela história de quem deve partir primeiro? Pensei melhor. Ainda tenho muito o que fazer por aqui. Não acho que devo partir agora.”

A cirurgia foi um sucesso! Há duas semanas meu coração bate com uma prótese de 20mm dentro dele.

O processo da decisão, da escolha, da confiança e da entrega foi um valioso treinamento e aprendizado.

Agradeço o carinho e estímulo daqueles que me amam e que me ajudaram a enfrentar essa travessia.

E a Deus, que sabe entender os desejos de seus filhos confusos.

Faço esse strip-tease impresso como um alerta para as pessoas que passaram por dissabores semelhantes aos meus.

Sei que são muitas...

Não subestimem sua dor. Deixem-na fluir. Chorem, reclamem, odeiem, se vitimizem.

Hoje, percebo que as perdas materiais foram muitas, mas os danos psicológicos foram enormes, pois joguei minha dor e minha revolta para debaixo do tapete, em respeito aos meus valores de vida e à harmonia familiar.

Fiquei impotente, frágil e decidiram por mim.

Sonhos, desejos e revolta jamais devem ser negligenciados, nem devem ficar trancados numa caixa forte. O lugar certo para enfrentá-los é através da ação e da palavra.

O incidente de três anos atrás não me roubou apenas bens materiais, mas também a paz de espírito (não devo odiar), o equilíbrio e, acima de tudo, uma linda história de vida, construída com dedicação, suor, lágrimas e alegrias.

Foi quase um golpe fatal.

Reconheço que engoli, mas não digeri a situação. Ainda não os perdoei e os carrego comigo aonde vou. É primordial esquecer...

Com meu novo coração de aço, pretendo me libertar de vez.

Chega daquele coração que nem se mostra!

Acredito que me foi dado um novo tempo para escrever uma nova história, onde eu serei a protagonista principal.

Ironicamente, nunca apreciei, mas agora acho que devo plagiar Zeca Pagodinho e cantar – Deixa a vida me levar...

Timoneira de meu barco, para quê?

“Aquietai-vos e sabeis que eu sou Deus” – Salmo 46.10.

(*) Mãe de família

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