ARTICULISTAS

Zé Sapateiro, Deus e pararraios

Recebi a agradável visita de um irmão que mora distante, em outro país

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 01/09/2015 às 20:16Atualizado em 16/12/2022 às 22:30
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Recebi a agradável visita de um irmão que mora distante, em outro país, mas que vem com boa frequência ao Brasil. Dessa vez, mais saudosista que das outras, pôs-se a observar e a se lembrar de tantas coisas que ilustraram sua infância e juventude, quando nem mesmo sabia o seu dia de amanhã. Recordou tantos assuntos que palpitavam à época, entre os quais política, religião, artes, filosofia, enfim, momentos agradáveis de celebração e, claro, debates e discussões com amigos e familiares. Olhou fixamente para um pararraios de um templo religioso que se avista da janela lateral de um dos quartos e disse-me: “você era muito novo e certamente não se lembrará de uma pessoa conhecida como Zé Sapateiro. Ele tinha sua sapataria bem na rua de casa e eu, habitualmente, ia até lá porque gostava de sua prosa. Um dia me fez duas indagações que se complementavam e as respostas estavam implícitas. Elas eram facilmente dedutíveis e por outro lado intrigantes. Zé Sapateiro perguntou o seguinte: – igreja não é coisa de Deus? Movimentei verticalmente a cabeça. Daí emendou com essa: – Então, por que precisa de pararraios? Fiquei abismado, sem saber como responder. Fazia sentido, claro, eu criança sabedor da onipotência divina e agora com aquela lógica persuasiva do Zé Sapateiro. Pensava, é mesmo, para que um pararraios na casa de Deus? Fiquei com aquilo martelando e seguidamente perguntava para alguém. Encontrava respostas concordantes com a tese do Zé, outras com deboche e escárnio como se fosse uma estupidez e ignorância. Também havia quem desse gostosas gargalhadas. Isto remonta anos e anos. E suas ponderações o tornaram, para mim, o sapateiro filósofo. Obviamente nem sequer sabia da existência de Descartes, do significado de silogismo, sofisma, aforismo, axiomas, teses, nada disso. Era simplesmente o sapateiro que vivia com a boca cheia de tacha e a mão cheia de graxa, questionando a vida, a existência, crenças e dogmas à sua maneira, com seu conteúdo de informações limitado e convicções que foram se acumulando com o tempo, reparando, consertando e dando brilho aos sapatos que recauchutava. Não sei se ele falava a propósito de Deus e de pararraios para outros com quem convivia. Só sei que Deus e pararraios estão inevitavelmente e simbioticamente ligados, a partir do Zé Sapateiro. Que ambos nos protejam, meu irmão”, finalizou, e mudamos de assunto.

(*) Engenheiro

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