Não sei como ele apareceu em casa. Não me lembro se o comprei ou se foi dado. Já faz bastante tempo.
Mas estava ali presente, enchendo a casa e se fazendo o centro de todas as atenções na família.
Mãe-presteza que muitas de nós fomos ou somos... quem não se lembra dessa situação?
Na ânsia de abastecer e alegrar nossos rebentos, terminamos o dia em completa exaustão física e mental.
Alguém já conseguiu parar o pio do pinto?
Não há calor, comida, brincadeira ou carinho que cessem o eterno clamor.
Eles são distração por algum tempo para os pequenos. Mas logo eles também se cansam, se frustram ou enlouquecem, não sei.
O fato é que abandonam o pio do pinto.
O pinto pia eternamente e deixa a nós, adultos, mortificados por não conseguirmos entender seu lamento.
Será pavor de estar vivo? Será falta de mãe? Mas a sua mãe é o ovo ou a galinha?
Muita filosofia para algo que prometia ser apenas mais um brinquedo.
Melhor trocar por um cachorrinho, que se aconchega manhoso num carinho e adormece molengo...
É assustador como o som constante de um ser tão pequeno pode ser tão devastador.
Para não enlouquecer e não perder a lucidez, nos remetemos a outro pinto. O provedor de vida – o membro.
De alma contida, reconheço que esse também não é um território que se trafega com facilidade.
Nesse quesito, a moral adverte que devemos ser comedidas e continuar admirando o David de Michelangelo, que brilha majestoso na Academia em Florença, na Itália, e cujo realismo anatômico tem impressionado gerações.
E também se aconchegar ao amor conjugal já habituado, de morno regaço.
O estado permanente de incertezas que lastimavelmente assola o Brasil tem me feito recorrer a diferentes artimanhas para viver sem me deprimir. E assim tenho feito.
Lanço a mente a diferentes caminhos e pastagens. Às vezes densos, sombrios, outros um picadeiro com palhaços estranhos, outras belas paisagens com crianças felizes.
Tudo com o intuito de não perder o foco e a consciência do bom viver.
Ocupar a mente distrai e às vezes faz rir e sei que tudo tem um tempo de amadurecimento.
Um dia esse estado de Brasil cansado e exasperado vai passar!
Mas, o pinto?! Esse não vai parar de piar.
(*) Mãe de família