ARTICULISTAS

O pinto pia

Não sei como ele apareceu em casa. Não me lembro se o comprei ou se foi dado

Marília Andrade Montes Cordeiro
Publicado em 18/07/2015 às 22:05Atualizado em 16/12/2022 às 23:14
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Não sei como ele apareceu em casa. Não me lembro se o comprei ou se foi dado. Já faz bastante tempo.

Mas estava ali presente, enchendo a casa e se fazendo o centro de todas as atenções na família.

Mãe-presteza que muitas de nós fomos ou somos... quem não se lembra dessa situação?

Na ânsia de abastecer e alegrar nossos rebentos, terminamos o dia em completa exaustão física e mental.

Alguém já conseguiu parar o pio do pinto?

Não há calor, comida, brincadeira ou carinho que cessem o eterno clamor.

Eles são distração por algum tempo para os pequenos. Mas logo eles também se cansam, se frustram ou enlouquecem, não sei.

O fato é que abandonam o pio do pinto.

O pinto pia eternamente e deixa a nós, adultos, mortificados por não conseguirmos entender seu lamento.

Será pavor de estar vivo? Será falta de mãe? Mas a sua mãe é o ovo ou a galinha?

Muita filosofia para algo que prometia ser apenas mais um brinquedo.

Melhor trocar por um cachorrinho, que se aconchega manhoso num carinho e adormece molengo...

É assustador como o som constante de um ser tão pequeno pode ser tão devastador.

Para não enlouquecer e não perder a lucidez, nos remetemos a outro pinto. O provedor de vida – o membro.

De alma contida, reconheço que esse também não é um território que se trafega com facilidade.

Nesse quesito, a moral adverte que devemos ser comedidas e continuar admirando o David de Michelangelo, que brilha majestoso na Academia em Florença, na Itália, e cujo realismo anatômico tem impressionado gerações.

E também se aconchegar ao amor conjugal já habituado, de morno regaço.

O estado permanente de incertezas que lastimavelmente assola o Brasil tem me feito recorrer a diferentes artimanhas para viver sem me deprimir. E assim tenho feito.

Lanço a mente a diferentes caminhos e pastagens. Às vezes densos, sombrios, outros um picadeiro com palhaços estranhos, outras belas paisagens com crianças felizes.

Tudo com o intuito de não perder o foco e a consciência do bom viver.

Ocupar a mente distrai e às vezes faz rir e sei que tudo tem um tempo de amadurecimento.

Um dia esse estado de Brasil cansado e exasperado vai passar!

Mas, o pinto?! Esse não vai parar de piar.

(*) Mãe de família

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