ARTICULISTAS

Bartô

Não sei como e por onde começar. Está tudo enovelado, o tempo, os anos iniciais

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 26/05/2015 às 20:31Atualizado em 17/12/2022 às 00:00
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Não sei como e por onde começar. Está tudo enovelado, o tempo, os anos iniciais da amizade, as lembranças de inúmeras passagens, as contendas estrondosas de sua gutural eloquência, o acalorado argumento passional ou não, mas de inarredável convicção. Bartô, com acento circunflexo para fechar a pronúncia em si mesmo, porque era único, intraduzível. Assim como saudade, Bartô não se traduz. É um sentimento que só quem dele desfrutou sabe o significado, a dimensão e a essência do que essa simples abreviação expressa. O turbilhão, a enchente, a incessante usina de afetividade, amor, alegria, irreverência, inteligência, intensidade, polêmica, presença de espírito, humor, passionalidade, tudo ao mesmo tempo, afloravam do indescritível e indecifrável amigo. Com um abraço, um sorriso, uma gargalhada, um beijo; todos os sentidos, olfato, tato, paladar, audição e visão, entrelaçados, misturados, nos chegavam de uma só vez e faziam um único sentido, nada seria como antes de sua chegada e nem após sua partida. O que não faz sentido é sua ausência que teremos de padecer entristecidos e empobrecidos de alegria, amizade e afeto. Carentes estamos irreparavelmente. Bartô, permita-me, como italiano que é, mas com este apelido afrancesado, lembrar-me de Maysa, sua musa, e trazê-la vestida de Piaf para cantar “non, je ne regrette rien” (não, não me arrependo de nada). Você, de certa forma, era uma versão masculina de Maysa e Piaf, não pela voz, porque a sua também era única e inconfundível, mas pela alma e pelo amor que carregava, com intensidade, avidez, voracidade, inerente a quem se dá tanto como você sem a intenção de receber de volta. Você não era seu, você se achava em todos com quem esbarrou durante a vida. Deixou em cada um uma marca de suas incontáveis versões. Assim como todos nós, não era unanimidade, tinha os desafetos dos acidentes de percurso da nossa existência. Esses, lamentavelmente, foram privados de saborear a convivência que nós, afortunados, fomos contemplados. Meu caro, lembrando aqui, gosto de Caetano e você preferia Gil, tomo Brahma, você tomava Antarctica, você Flamengo eu Fluminense, vamos parar por aqui porque essas e outras tantas diferenças se tornaram irrelevantes diante do mais importante que construímos, a cumplicidade de uma amizade eterna. Como você dizia: “então tão”. O birinaite acabou. Adeus, Luiz Fernando Miranda Bartonelli, grande Bartô!

(*) Engenheiro

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