ARTICULISTAS

Outros tempos

Sou do tempo em que as famílias se sentavam em cadeiras na calçada, nas tardes de domingo

Fernando Hueb de Menezes
Publicado em 07/05/2015 às 20:30Atualizado em 17/12/2022 às 00:16
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Sou do tempo em que as famílias se sentavam em cadeiras na calçada, nas tardes de domingo, para prosear sobre temas despretensiosos e aprazíveis. Os ventos sopravam o entardecer, trazendo a calmaria, preparando o espírito para o prefácio de uma nova semana.

Sou do tempo do almoço em família, momento sublime onde o alimento era compartilhado com a presença de todos os entes, após uma breve oração. As palavras do pai e da mãe eram esmeradas e despertavam a atenção dos filhos, que com os olhos vidrados, as duas mãos no queixo e cotovelos apoiados à mesa, admiravam cada história contada.

Sou do tempo das brincadeiras na rua, de puxar carrinho com barbante, do rolemã que descia desgovernado a ladeira, do futebol de golzinhos com um par de chinelos, do pique esconde até altas horas da noite, precedendo as rodas de prosa no cantinho escuro, onde lendas sobre assombração amedrontavam o sono dos mais temerosos.

Sou do tempo do civismo na escola, da honra de integrar um pavilhão da saudosa fanfarra, da obrigação de conhecer a letra do Hhino Nacional, executado todas as segundas-feiras, das filas por ordem de tamanho e do ansiado recreio, tão ligeiro que mal dava para ganhar cinco figurinhas no jogo de bafo.

Sou do tempo das músicas primorosas da bossa-nova, emolduradas por arranjos caprichosamente elaborados. Do tempo em que as letras faziam sentido e transmitiam algum legado para a sociedade. Dos instrumentos discretos, com um sortimento de sons incrivelmente leves e harmônicos.

Sou do tempo das cartas de amor, de letras manuscritas, vestidas de sensibilidade, tão aguardadas na caixinha dos Correios. As mãos tremiam e o coração acelerava, à medida que o envelope se descortinava e os mais belos sentimentos eram aflorados. Do tempo das serenatas, da espera na janela, nas noites frias de abril, sob o romantismo da lua alumiada.

Com o espírito inundado de nostalgia, me entrego aos versos da canção Tempo de Fé, de Lula Barbosa: “Tempo em que os violões despertavam paixões, na voz do cantador. E os moços teciam versos, palavras só de amor. Tempo passou tão depressa, que os moços e os versos ficaram pra trás, do outro lado do muro, dos sonhos e sabem que o tempo não volta jamais”.

(*) Professor e pesquisador da Universidade de Uberaba, chefe de Gabinete da Prefeitura de Uberaba

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