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Os idosos e os jovens

Se não me engano, meu tio materno, Nonô Prata, morreu com noventa e sete anos de idade

Padre Prata
Publicado em 26/04/2015 às 11:24Atualizado em 17/12/2022 às 00:25
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Se não me engano, meu tio materno, Nonô Prata, morreu com noventa e sete anos de idade. Sempre lúcido, tinha estrutura interior e exterior para viver mais uns dez. Morreu devido a um acidente. Pensativo, comentava com certa amargura: “Quando a gente fica velho, todo mundo quer mandar na gente. Até neto quer mandar, essa meninada. Faz isso, faz aquilo, tome isso, tome aquilo, vem pra cá, vai pra lá. Todo mundo manda”.

Guardo na memória aquela inclusiva “até menino quer mandar”. Sabedoria ou bom humor, não importa. O que valia mesmo era a experiência do velho e sábio patriarca. Tinha razão. Não lamentava, apenas observava. Quase todos nós, os adultos, observamos as mudanças de modos e atitudes nas gerações mais novas. Às vezes, nos trazem alegrias. Às vezes, nos acordam tristezas. Mais das vezes, nos espantam e assustam.

Nem sempre tomamos consciência de que os tempos são outros. Outros os costumes. Outros os valores. Outros os juízos de valor. Hoje, há coisas muito piores do que há cinquenta anos atrás. Em contrapartida, há coisas bem melhores. O que brota desse desencontro é o eterno conflito de gerações. O que é ruim é que nós, os adultos, acentuamos muito as diferenças e não percebemos que a vida não é estática. As coisas mudam. Hoje, seria impossível viver como vivíamos nos nossos tempos de juventude. Também os jovens não conseguem entender como podíamos viver do jeito como vivíamos. Consideram-nos uns quadrados. Uns burros. Não gosto do apelativo, mas entendo.

A meninada de hoje está cheia de defeitos. Está havendo uma degringolada de todo tamanho. A gente não atina no que vai dar isso. Mas, em contraposição, há o lado bom e admirável desses jovens. O que não podemos é alimentar pessimismos, maldizendo a meninada. É melhor procurar compreendê-los. Eles estão na deles. Outro erro seria repetir o otimismo de Pangloss, de que “todas as coisas vão pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”. Um dia eles também serão idosos...

Para terminar, reproduzo “ipsis verbis” as observações azedas de um velho inconformado com os novos tempos: “A mocidade de hoje está liquidada. Não sabem nem se vestir. Aquelas bermudas no meio das canelas, aqueles bonés virados pra trás, camisetas mal ajambradas, não dá pé mesmo. No meu tempo, não havia drogas nem falta de respeito com os mais velhos. Me  chamam de velho burro e me mandam pra certos lugares. Hoje, nem brigar sabem. No meu tempo, a gente brigava rua contra rua. Batia e apanhava. A gente era queimado, de tanto sol que tomava. Hoje, essa meninada são uns branquelos, vidrados em joguinhos eletrônicos. Dos joguinhos para os barzinhos e daí para os baseados”. E foi desancando por aí afora, aspergindo vinagre. Que Deus o perdoe.

Será que esse ilustre senhor, adulto de carteirinha, ainda não descobriu que chorar o passado não leva a lugar nenhum? Velho azedo. Uma colher de mel pela manhã lhe faria bem. Adoçaria não apenas a língua, mas a alma.

(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro [email protected]

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