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Errou, não tem mais jeito?

Manoel foi pro céu, assim começa uma das músicas mais conhecidas de Ed Motta

Danilo Lima
Publicado em 22/04/2015 às 18:39Atualizado em 17/12/2022 às 00:28
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“Manoel foi pro céu”, assim começa uma das músicas mais conhecidas de Ed Motta. Eu não sei como este tal de Manoel foi para céu, mas tenho certeza que quem conheceu o inferno nos últimos dias, esse foi o próprio cantor Ed Motta. O cara surtou, acordou revoltado, virado, esqueceu-se de comprar o remédio, estava no pior dia de sua vida. Foi picado pelo mosquito do sincericídio, resolveu sentar-se na frente de seu computador e escrever algumas linhas sobre sua turnê pela Europa. Entre algumas coisas que escreveu, disse que a plateia brasileira é muito chata e constrangedora (fui politicamente correto agora) em suas apresentações no exterior. Falou besteira, foi alvo de duras críticas e no outro dia, já com o remédio comprado, resolveu pedir perdão, perguntou: “Quem nunca errou?”.

Quem não já “morreu” de arrependimento quando magoou uma pessoa que gosta? Uma ação sua nunca feriu ninguém e dois segundos depois você quis pedir um “Me perdoa”, desesperado, ainda com as mãos geladas? Eu tenho certeza que você já foi dormir pensando em como pedir perdão para sua namorada ou sua mãe. “O que eu falo para ela ter certeza do meu arrependimento? Tem alguma palavra mágica?”.

Qual o problema em perdoar verdadeiramente alguém? Dizer o “Eu te perdoo”, querendo dizer exatamente “Eu te perdoo”, nenhuma palavra a mais, nenhum sentimento a menos. Outro dia, conversando no cafezinho do trabalho, uma amiga me confessou que tinha brigado com uma “supercolega”. Ficaram sem se falar por um período, se acertaram e voltaram a conversar, mas ela me disse mordendo os lábios “Volta, mas não volta do mesmo jeito, né?”. Dei uma “golada” no café, olhei para o relógio, disse a ela que já estava na minha hora e saí.

Fiquei pensando se valia realmente a pena retomar uma relação desta forma, uma amizade com limitações territoriais. Diante da situação imposta, houve realmente um perdão verdadeiro? Engraçado, nossa sociedade inventou um perdão social muito estranho e protocolar, tipo ir ao cartório assinar alguns papéis e pronto. “Tudo bem, eu te perdoo, mas nada de pedir o meu vestido emprestado ou sairmos para balada no fim de semana. Não tem mais o futebol de todas as quintas depois do trabalho.” A situação mudou a partir dali, a amizade hoje é medida através da escala Richter, as placas se chocaram, o terremoto passou. Muitas coisas mudaram de local. Quem vai perdoar e colocar as coisas no seu devido lugar novamente?

Fui comprar pão para o café da manhã do domingo, eu nunca tinha reparado naquelas mensagens que as embalagens trazem hoje em dia. Reparei pela primeira vez, aquela era curta e de Chico Xavier: “Perdoa agora, hoje e amanhã, incondicionalmente. Recorda que todas as criaturas trazem consigo as imperfeições e fraquezas que lhe são peculiares, tanto quanto, ainda desajustados, trazemos também as nossas”.

Mas você, leitor, vai me falar que já leu muita gente falando isso e eu concordo. Todos pregam o perdão, a Kabalah, Cristianismo, a Amma, Buda, a sua vizinha bêbada na festa do condomínio já te falou isso. A prática do real perdão é rarefeita, mas sua concepção é universal. Que alívio seria poder chegar ao alto da montanha das circunstâncias, respirar profundamente e dizer “sim, eu te perdoo”, sem titubear. Mas, antes de terminar este texto careta, pretensioso e mais cheio de perguntas que respostas, me responde uma coisa: “Me perdoa?”.

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