ARTICULISTAS

O velho

Há muitos anos este cronista vem escrevendo crônicas. Sei que muita gente lê

João Gilberto Rodrigues da Cunha
Publicado em 01/04/2015 às 20:14Atualizado em 17/12/2022 às 00:45
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Há muitos anos este cronista vem escrevendo crônicas. Sei que muita gente lê os meus escritos, porque até desconhecidos – ou esquecidos – me cumprimentam ali no hospital, ou no comprar pão da manhã, ou na janela do carro quando paramos no sinal de trânsito. Considero-me um cronista eclético – lá de cima o Dino e o Orides, meus companheiros na vida, engolem esta palavra pensando que deve ser nome feio – mas eles já estão em boa companhia, alguém vai lhes explicar o significado. Hoje, nesta crônica de finalmências e de 85 anos resolvi escrever um testamento para meus companheiros de idade e para aqueles que estão zelando por nós. Afinal, todos os jovens de 70 para baixo acham que nós somos gagás. Nesta noite de hoje vou cear com minha família e um bom monte de amigos e sobreviventes – e esta crônica penso que pode ser meu testamento, para todos. De início quero defender a minha classe de idade: velho não é necessariamente um coitado esclerosado. Apenas, e com frequência, é um ser humano que passou muitos anos de vida, os tempos mudaram e os amigos já partiram, os presentes discutem e duvidam do que ele pensa ou fala... ou escreve. Toda a tribo dos trabalhantes tem no bolso uma máquina quadradinha onde vão dia inteiro apertando teclas de informação ou arquivo. O velho, coitado, não dá conta de aprender computação, pensa que o que sente e sabe está na sua cabeça – e nos jovens a cabeça está nas máquinas. Entrarei esta noite na ceia e festa da minha família, dos jovens colegas e amigos restantes. Este velho aqui entrará pensando na “ceia dos cardeais”, uma página da literatura que ninguém lembra, talvez o Randolfinho que ainda lê estas coisas – ou o padre Prata, que estará de cama. A enorme maioria vai – se possível – tirar a sua maquininha do bolso e apertar um quadradinho a ver que ceia é esta. Esqueçam, meus amigos mais jovens. O velho está apenas cansado e quer paz – pelo amor de Deus. Porém, não é fácil nos dias e na humanidade atual. Se o velho não tem nada... ninguém lhe quer. Se o velho tem... é pior. Não me perguntem, porque meu espaço acabou...

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