ARTICULISTAS

O feminicídio

A previsão legal de que determinada conduta constitui crime revela a repugnância

Hugo Cesar Amaral
Publicado em 28/03/2015 às 19:33Atualizado em 17/12/2022 às 00:49
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A previsão legal de que determinada conduta constitui crime revela a repugnância da sociedade e da ordem estatal a certa ação ou omissão humana, cuja ocorrência deve resultar, para o infrator, na aplicação de uma penalidade, após o devido processo legal.

Considerando a persistente violência contra a mulher e a necessidade de se penalizar com maior rigor os agressores, recentemente foi promulgada a Lei 13.104/15, na qual foi criada mais uma hipótese de homicídio qualificado, qual seja o feminicídio, que se considera praticado quando o homicídio é cometido contra a mulher por razão da condição de sexo feminino. A expressão “razão da condição de sexo feminino”, por ser genérica, traria dificuldades e incertezas da aplicação da lei, as quais são intoleráveis em matéria penal, tendo sabiamente o legislador estipulado que a dita circunstância se reputa presente quando o crime decorre de violência doméstica e familiar ou quando há menosprezo ou discriminação à condição da mulher.

Para o delito, a pena será de doze a trinta anos, podendo ser aumentada de um terço à metade em algumas situações, tais como estando a vítima grávida ou nos três meses após o parto, ou sendo o crime cometido na presença de ascendentes ou descendentes. A lei em comento ainda previu ser o feminicídio um crime hediondo.

Muitos especialistas em Direito Penal e em Constituição criticaram a lei que instituiu o crime de infanticídio sob o argumento de ser o mesmo inconstitucional, por violar o princípio da igualdade entre homem e mulher. Conquanto seja apropriado se debater a constitucionalidade de qualquer lei, entendo que no caso do delito de feminicídio não há inconstitucionalidade alguma, vez que a violência contra a mulher no âmbito doméstico ainda é elevada em nosso país, mesmo após quase uma década de vigência da Lei Maria da Penha, e a condição feminina, ainda subvalorizada e desrespeitada na machista cultura brasileira, é fator que justifica um tratamento juridicamente desigual, sem ofensa alguma ao texto constitucional. Enquanto a violência contra a mulher existir, leis como a do feminicídio serão constitucionais.

Indubitavelmente a instituição do delito de feminicídio é um avanço jurídico na proteção da mulher à medida que reconhece existir uma situação social deveras grave que demande uma penalização mais severa de quem comete a conduta de assassinar uma mulher nas condições definidas na lei em análise, porém, certo é que a mera estipulação legal do delito não vai minimizar os homicídios de mulheres no âmbito doméstico, sendo necessário um trabalho social educativo com enfoque preventivo em lares onde se encontram situações de risco, tais como aqueles onde são reincidentes casos de agressão à mulher.

Para a mulher, para a família e para a sociedade será sempre mais relevante uma medida preventiva, que venha a reconstruir a família ou no mínimo afastar o potencial homicida, a simplesmente aplicar uma pena mais severa sobre um assassino, pois neste quadro uma vida inocente já haverá sido ceifada e já não haverá mais nada a ser feito.

O feminicídio é, antes de mais nada, um estridente alerta, do quanto nossa sociedade machista e violenta ainda precisa evoluir na proteção e no respeito à mulher, sobretudo no âmbito doméstico.

(*) Advogado

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